– Por favor, seu nome?
– Mina Moreira
– Tipo sanguíneo?
– Tipo sanguíneo!? Nunca vi pedirem isso pra entrar com um processo?
– Pois é o novo protocolo da OAB. Nunca se deu conta de que o órgão que regula os advogados tem os três tipos sanguíneos no nome? O, A e B, hahaha!
Não gostei da piada. Aliás, desce o começo não me sentia confortável. Sabe aqueles seres que oferecem serviço de advogados na esquina? Gritando o nome das principais operadoras e serviços que você pode entrar com um processo contra? Vladmir era um sujeito alto, magro, vestia um terno preto surrado e usava piercing e pulseiras. Parecia um hippie recém convertido a algum culto evangélico suburbano.
– Podemos conseguir um bom dinheiro, Dona Mina. Esses bancos se aproveitam do poder que tem para tirar o sangue dos clientes. Pensa no que a senhora pode fazer com esse dinheiro. Dá pra comprar uma piscina e colocar no fundo do quintal para curtir com os filhos.
– Não tenho filhos. Estou noiva ainda.
– Que bom! Vai poder comprar seu enxoval todo só com esse processo. A senhorita tem queixa de algum outro serviço? Água, luz, telefone…
– Vamos nos concentrar nesse por enquanto. O que mais o senhor precisa?
– Vou precisar que a senhorita adiante os honorários advocatícios a fim de que entremos com o processo, para assim notificar o reclamado e o proceder com o rito sumaríssimo para…
– Não estou entendendo mais nada. O senhor pode falar de forma mais clara?
– Claro, senhorita. Assine aqui embaixo e daremos entrada no seu processo. São setecentos reais para darmos entrada nos protocolos e…
– Setecentos reais! Mas se eu fui prejudicada, como posso começar pagando?
– A senhorita precisa bancar as custas processuais para que o Itaú lhe pague o mal que causou.
Eu já estava nervoso. Nunca ninguém tinha aceitado entrar com um processo desde que eu comecei a ficar parado na esquina gritando “Advogado! Advogado! Conquiste os seus sonhos processando empresas que prestam um mau serviço.” Mina parecia ser a vitima perfeita para bancar as contas do escritório esse mês.
– Mas o que me garante que eu vou ganhar essa causa?
– Sua falta de fé é perturbadora. Se a senhorita não quer uma piscina ou comprar itens para mobiliar a sua casa é só não assinar. Por isso que as empresas estão cada vez mais ricas. Elas ficam com o dinheiro de quem não tem a coragem de processar.
– Tá bom. Eu assino aqui embaixo? É isso?
Abaixei pra mostrar onde assinar e no mesmo momento a cliente se inclinou sobre mim. Seus caninos sobressaíram e me joguei no chão de medo. Aquela criatura, com olhos assustadores e aparência cadavérica me atacava a cada recuo meu. Os papéis voavam e os móveis se remexiam numa luta de vida ou morte. Joguei o Vade Mecum nela, que é um livrão de duas mil e quinhentas páginas. Foi o que me deu tempo para pegar uma caneta tinteiro, bonita, e cravar no peito da dita cuja. Ela virou cinzas na mesma hora. Ubi non est justitia, ibi non potest esse jus. Onde não há justiça, não pode haver direito. Caso encerrado.
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