Senhoras e senhores, boa noite! Apresento-lhes um espécime raro, originário de uma cepa proveniente de uma seleção natural de variadas células, de cujo mapeamento genético combinado com o seu sequenciamento hereditário nos possibilitou traçarmos uma linha temporal evolutiva de, no mínimo, duzentos anos… Ele está aqui entre nós e é, neste exato ato, denominado: “Seu Milton”. Esse codinome lhe é dado em justíssima homenagem ao seu carismático doador aleatório. Sim, pasmem! Ele está aqui entre nós! (aplausos) Ele com o seu valoroso DNA… Observem o seu gestual todo garboso e ágil; e, visto assim tão ampliado, pode até nos parecer com uma fantasia carnavalesca psicodélica, diria até mesmo surrealista. Sim! Eis aqui um grande exemplar sambista, talvez o maior de todos os tempos, e vem se melhorando a cada nova geração. A sua transcendência é um espetáculo de pura malemolência, no gingar, no cantar… no sambar! Mas não se enganem! Não se encantem com esta aparência multifacetada e suas faiscantes centelhas multicores, quase uma alegoria “abre-alas”. Sim, meus caros amigos, nem sempre ele foi assim; pois é, ele já foi, em tempos remotos, manco, fanho e tatibitate. “Oh… Ahhamm!!!” Creiam! Na verdade ele é fruto de uma mutação biológica com a interferência providencial de um elemento extraterrestre. Após complexos estudos e pesquisas em laboratórios de Harvard e na NASA, com a utilização da mais moderna biotecnologia genética, concluiu-se a tese de sua peculiar origem, sendo proveniente de uma hereditariedade africana combinada com um espécime de zigoto alienígena, tornando-o exemplar único, tratando-se, realmente, de uma pura matiz africana e de uma genealogia singular originária de lá das inóspitas regiões do Kalahari, provinda de um grupo de escravos. Sim! E fora assim mesmo que ele desembarcaria no porto do Rio de Janeiro colonial, em meio a um carregamento de escravos. Isso ocorrera nos idos do século XIX. Então, devidamente instalado no interior do aparelho reprodutor de um jovem escravo, ele viajaria o Atlântico, seguindo direto do porto para o interior até chegar ao seu destino, a fazenda São Bernardino, então localizada na Baixada Fluminense, logo ali aos pés do complexo de morros de Tinguá…
Seguindo a tradição da época, o jovem escravo deveria, em pouquíssimo tempo, se tornar um bom mestre. Porém, ao ser desafiado naquela que deveria ser a sua primeira roda de tambores, partira de forma descompassada e às tontas e, sem conseguir encontrar o caminho adequado, volteou-se a esmo e em círculos; um verdadeiro fracasso. Não lhe bastasse sofrer pressões externas, e do senhor feudal, e do feitor, até dos demais escravos, o jovem aprendiz, com a sua fisiologia e inaptidões cognitivas que lhe dificultavam a coordenação motora e na comunicação verbal, desistira, recolhendo-se em si mesmo. Até que, numa bela noite, por conta de uma reunião entre os manos mais chegados, ficara resolvida em comum acordo a realização de uma espécie de campanha solidária; chamaram-na “A MARCHA DOS EXCLUÍDOS”. Decidiram, também, que, todos juntos e misturados, o orientassem em direção ao alvo de suas grandes aspirações… e louvaram as melhores bênçãos e cânticos ao universo… Eis que é chegado o grande ato…
Ah, o universo, sempre conspirando… Se favorável ou não? Não importa! Da imensidão de Andrômeda à vastidão da Via Láctea; nos confins de Órion… uma reles colisão de asteroides geraria um imensa nuvem de poeira cósmica com suas micropartículas de “sabe-se lá quais!”, foram expelidos gases alienígenas espaço sideral afora, até que um grãozinho microscópico se acoplasse a um meteorito e viajasse anos-luz; perpassasse por Saturno, Júpiter e ultrapassasse a órbita de Marte, se estabilizando na atmosfera de um planeta azulado e assim flutuasse até furar a pressão atmosférica produzindo um rastro incandescente e se fragmentasse quase a sua total destruição, mas que ainda restasse um espirilo qualquer; que este continuasse flutuando e fosse levado a passar por cima da Baía da Guanabara, seguindo em direção ao interior e quase resvalasse no topo de uma das serras de Tinguá, sendo levado pelo vento, flutuasse sobre a senzala; que transitasse entre eles e desviasse aqui e ali, se aproximando das narinas do jovem aprendiz zulu e, enfim, fosse aspirado pelo líder daquela inusitada marcha a lhe injetar um gás a mais, cobrindo-lhe todo o dorso e torso com uma carapaça de luz fosforescente e colorida e lhe espichando um rabicho numa reluzente cauda de pavão, fazendo-lhe disparar, no exato momento em que a tropa de trás crescia em volume e tom, vindo já bem estimulada pelo comando da harmonia dos tambores…
E assim lá foi ele desfilando com a sua belíssima e farfalhante cauda, então cintilando luzes astrais provindas daquele invasor peculiar, sendo seguido à distância pela grande marcha dos desvalidos. E eles, felizes com a vitória, passaram a entoar seus cânticos tribais de incentivo ao promissor mestre rumo ao desfecho triunfal e apoteótico, sendo carregado em jubilo por toda a senzala…
É! Aquilo fora mesmo algo parecido com um desfile de carnaval com toda a multidão sambando ao som da bateria como se fosse a pulsação do coração do mestre…
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