Já era quase meia-noite quando ele conseguiu fazer a filha dormir. Depois de ter apelado pra tudo, desde a história da bruxinha, passando pela música do sapinho e chegando aos relaxantes sons da chuva no celular, a pequena acabou vencida pelo próprio cansaço. Ele mesmo chegou a cochilar duas ou três vezes sentado no chão ao lado da cama. Quando acordou do último cochilo, olhou para o lado e viu a menina de olhos fechados abraçando sua vaquinha de pelúcia.
Antes de ir para a cama, conferiu se a porta da cozinha e a da sala estavam fechadas. Olhou para fora, mas não viu o cachorro no quintal. Devia estar dormindo também. No caminho para o quarto, apagou a luz do corredor.
Deitou do lado da mulher, que roncava com os fones de ouvido. Teve vontade de acender as luzes e acordá-la. Foi ela quem tinha colocado a mania na filha. Tudo era uma desculpa para que a pequena não dormisse na própria cama. Cama, aliás, que não tinha sido barata. Um resfriado, um joelho ralado, um feriado prolongado, uma bronca do papai, a chuva, o frio, o calor… A solução pra tudo era dormir com a mamãe e o papai. Até que, uma bela noite, a própria esposa resolveu que a solução tinha virado um problema e ele tinha que resolver.
Tinha acabado de fechar os olhos quando o cachorro começou a latir no quintal. Latiu uma, duas, cinco vezes. Depois parou, rosnando. Provavelmente um gato ou uma ratazana. Quando recomeçou a latir, não parecia que ia parar. Ele se sentou na cama, olhando na direção da janela fechada com a cortina. O bicho ia acabar acordando os vizinhos. Quando ia se levantar, abrir a janela e gritar para que ele calasse a boca, o animal parou.
Deitou, mas agora tinha perdido o sono. Primeiro a filha, agora o cachorro. Era uma conspiração. Olhou o relógio do celular. Já passava da meia-noite. E tinha que levantar em menos de cinco horas.
Fechou os olhos, se obrigando a ter pensamentos felizes. Foi quando ouviu a porta do quarto se abrindo com uma pancada. O baque fez seu coração parar por dois segundos e voltar a bater acelerado. Sentiu algo se enfiar sob as cobertas, exatamente no espaço entre ele e a esposa. A mulher mesmo só interrompeu o ronco, virou um pouco o corpo e passou a ressonar baixinho.
Ele preferiu virar de costas. Estava irritado com a mãe, não queria descontar na filha. A pequena se mexeu um pouco, tentando ficar mais confortável, depois parou.
A luz do corredor foi acesa e ele levantou a cabeça tão rápido que sentiu a musculatura do pescoço doer. Olhou para a porta do quarto. Viu a silhueta da filha segurando a vaquinha de pelúcia. Em uma voz chorosa, ela perguntou:
– Papai, posso dormir com vocês?
Ele não respondeu. A coisa deitada atrás dele se moveu para mais perto. Ele sentiu uma mão com pelos grossos e unhas finas arranhando suas costas e o cheiro de coisas podres quando a coisa abriu a boca perto do seu pescoço e rosnou baixinho.
FIM
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