Roupa de sair

Está decretado o fim da quarentena, anunciou o locutor na televisão, lendo uma nota do governo. Os leitos dos hospitais estão vazios, não há mais risco de mortes por coronavírus no Brasil, estão todos liberados para saírem às ruas e voltarem a vida cotidiana, finalizou o locutor.

Diante da TV, o estupefato Eleutério ouvia tudo aquilo com um misto de incredulidade e euforia. Saiu pela casa abraçando e beijando a esposa e os filhos e cantando E o mundo não se acabou, de Assis Valente. A alegria era tanta que a mulher liberou a sua saída para comemorar com os amigos de bar, nada mais justo para quem sofreu a tortura de ficar confinado quase um século em casa. Isso era um exagero,mas era assim que ele se sentia.

Com a autorização da esposa para cair na gandaia, pediu-lhe um favor: queria que ela passasse a sua camisa e o seu short do Flamengo,que já não usava desde o ano passado. Prontamente a mulher lhe atendeu. Ele vestiu o uniforme do mais querido do Brasil , calçou um chinelo Havaianas e colocou sobre a cabeça um boné preto e vermelho. Com os documentos no bolso, parou na porta de casa e, com um olhar orgulhoso e lacrimejante, fitou a esposa e os filhos e disse a eles  solenemente: “Minha querida família, essa é a minha roupa de sair, mas ela  não é qualquer roupa é a minha roupa de sair da quarentena.”

Ao aportar na rua o brilho do sol feriu momentaneamente os seus olhos, mas isso não o incomodou nem um pouco, estava feliz por ver tanta luz,depois de muitos dias de escuridão. Nas ruas as pessoas se aglomeravam e abraçavam-se comemorando o fim da quarentena como se fosse a final da copa de 70. Suado e muito feliz, Eleutério entrou no Bar liberdade para os bebuns, local que frequentava há mais de trinta anos. Todos os seus amigos de copo já estavam lá esperando por ele, com uma Brahma bem gelada. Não podia ter dia mais feliz que aquele; cerveja gelada, o carinho dos amigos, tira gosto de moela a vontade  e a visão encantadora das mulheres desfilando pela rua. Tudo isso é um sonho, pensa ele já prá lá de Bagdá. É quando ele sente alguém sacolejando seu corpo bruscamente e falando alto em seu ouvido sem parar: “Acorda Eleutério, seu preguiçoso! Levanta, tira esse sorriso do rosto e vê se faz alguma coisa em casa para agradar a Deus.”  Era Malvina,”sua querida” esposa, lhe chamando para a realidade.