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Renovação

Ainda há pouco eu era criança – um menino pensando em como vencer meu vizinho no campeonato de Playstation, na lan house da esquina, tendo que melhorar o time da Internazionale para vencer o Milan dele, após quatro meses de derrotas humilhantes – e agora, deitada no braço do sofá com a saia erguida, uma menina me pergunta, você tem camisinha? 

Meu corpo pedalou até a farmácia com pressa – mais pressa que o Kaká quando puxava um contra-ataque nos campos virtuais. Na verdade, minha bicicleta pareceu-me uma CG 125 cilindradas, e eu, habilitado, um homem habilitado e feito, estacionei, entrei e perguntei no balcão, moça, tem preservativo? 

A balconista estranhou. Não que alguém aos catorze anos não pudesse fazer sexo, mas ir à farmácia comprar camisinha, ainda mais sem constrangimento algum, lhe pareceu demais; meio a contragosto, ela apontou a prateleira, aquela ali, ó. As camisinhas pareciam guloseimas – descobri posteriormente que algumas são. 

Voltei com um pacotinho de três camisinhas, da mais barata. Era para o que dava meu dinheiro, que iria para a lan house da esquina, mas foi para o sexo seguro. 

No caminho, porém, entrei em colapso, como se meus pensamentos não coubessem na cabeça que os pensava. Me perdi pelas ruas que conhecia e, parado num cruzamento, sem saber como voltar aonde me esperava a menina, eu disse a mim mesmo, pensa, pensa cara, a garota tá à sua espera. Mais calmo, consegui enquadrar os pensamentos naquele corpo – as palavras não davam conta do desejo. 

Então eu reencontrei a amiga da minha prima e ela ainda estava de saia erguida sobre o braço do sofá. Tentei ser romântico, passar o dorso da mão no rosto dela – coisas que eu tinha visto em Malhação. Mas logo a mão se perdeu em outras tramas. 

Se foi rápido ou devagar eu não sei. Quando temos prazer não nos preocupamos com o tempo. Sobretudo esse prazer primicial que senti: a sensação da primeira penetração da vida é algo tão drástico quanto nascer, quando você sai de um corpo familiar; a diferença é que, sobre o braço do sofá, eu entrava num corpo estranho. 

Depois que saí do corpo da menina pela última vez, nos abraçamos e ela disse, amanhã a gente faz mais. Sem saber que esse amanhã nunca chegaria, guardei as outras duas camisinhas como Maldini guardava a zaga do Milan, o time do meu vizinho. Vizinho que, quando me viu na rua andando a esmo – eu ainda revivia as lembranças recentes – me propôs: vamos jogar, meu pato? Respondi que estava sem dinheiro. Eu pago, ele disse, e fomos. 

Ele fez um gol rápido com Seedorf, porque eu ainda pensava no corpo da menina. Empatei com a classe de Figo; Pirlo fez de falta pra ele e logo em seguida meu Recoba provocou um alvoroço em sua zaga e colocou 2 x 2 no placar. Meu vizinho assustou-se: hoje você tá inspirado, não sei o porquê, mas calma que ainda tá no primeiro tempo. 

Só eu sabia por quê. 

Inexplicavelmente, consegui segurar o resultado. Eu mal pude acreditar que o jogo já estava no final (quando temos prazer não nos preocupamos com o tempo). Mas eu ousei, queria o improvável! Substituí Figo, o mais velho do time, e coloquei o jovem Adriano, o mais novo; tão novo que parecia uma criança perto dos outros. E seria com o Imperador que eu teria a última chance. Após um chutão despretensioso, Adriano ficou sozinho contra o goleiro. Meu vizinho e eu nos levantamos. 

De pé na frente da televisão 29 polegadas, parecíamos dois fiéis reverenciando um altar. Seu semblante era de desespero, porque eu finalmente poderia vencê-lo após quatro meses. Ainda há pouco eu era um adulto, pensando em como dar prazer a uma garota, e agora a vida se resumia a fazer valer a substituição do mais velho pelo mais novo, e, com os pensamentos novamente confortáveis dentro da cabeça, vencer aquele clássico italiano do Playstation, na lan house da esquina.