Mariza para! … Olha! … Mais de 200 metros de altura! Ela sorri, excitada. Parece pouca coisa, é verdade, mas o mundo já começa a diminuir de tamanho, lá em baixo.
Olhos arregalados, um riso nervoso, um frio na espinha… Havia medo, ansiedade, expectativas; havia um misto de tudo. Porém o que não a faltava era determinação.
Há dez anos planeja subir os 780 metros da Serra do Vulcão e só agora consegue dar os primeiros passos, os primeiros metros nesta direção. Ela bebe água, come uma barra de cereal, checa a própria temperatura, saturação. Estava preocupada consigo, com as suas condições físicas, com a sua resistência. Não era uma atleta, muito pelo contrário. Auxiliar de enfermagem, Mariza sabia como poucos o mal que o sedentarismo costuma causar ao organismo humano, entretanto nos últimos dois anos, ela melhorara muito seus hábitos. Cortou massas do cardápio, passou a frequentar academia, duas vezes por semana, e ainda pôs fim aos “cervejais” com o pessoal da faculdade. Tudo isso graça ao projeto Serra do vulcão.
Ela segue em silencio… Tomara a decisão de subir a serra sozinha… E assim o fez.
Não avisou a mãe, o padrasto… Só uma colega de trabalho sabe dessa sua aventura e, claro, desaprova. Mas, Mariza precisava cumprir a promessa que fizera.
Ela consulta o relógio… Nossa! mais de duas horas de subida! O sol agora parece mais pálido, mais frio! O tornozelo começa doer, ela sente fadiga… Também não é para menos, já alcançara 500 metros de altitude, “Falta pouco!” Ela tenta se motivar recolocando a mochila de volta
às costas. Parecia mais pesada agora, depois de três horas de caminhada. “Caminhadura”, lembrou ela do poeta e até sorriu, mas logo voltou a pensar na promessa que fizera ao pai e sussurrou:
– Calma, paizinho, estamos quase lá.
Mariza perdeu o pai quando tinha 12 anos! Álvaro, o nome dele, um homem bom, forte, bonito! Um atleta! Apaixonado pela vida, pela família e pelo esporte: alpinismo, paraquedismo, asa delta e muitos outros que lhe permitiam desafiar a si mesmo. Ela respira. Foi um desses desafios que o levou pra sempre, em uma bela tarde de sol, em um lindo dia primaveril! E o paraquedas “Não” abriu! E ele partiu, para sempre.
Um dos sonhos que Álvaro deixou para trás, foi o de saltar dos 780 metros da Serra do Vulcão e há alguns anos, em sonhos, Mariza prometeu deitar sobre o cume do vulcão as cinzas de seu amado pai.
Agora ela está há poucos metros do pico da Serra do Vulcão. A emoção começa a fazer parte dela. Mariza respira, sente o ar mais rarefeito invadir as narinas; o sol vermelho de outono acaricia lhe a pele fria, úmida, de uma sudorese que precede o descompasso cardíaco. Ela pressiona o coração, uma pulsação rápida, acelerada, respiração ofegante, a cabeça parece girar, as têmporas latejam, imagens se formam e se desfazem em sua mente confusa. Pessoas que passam por ela a olham preocupadas; um senhor se afastou de um grupo e vem até ela e diz:
– Moça! Você precisa de ajuda. – Mariza assentiu com um sorriso fraco. O benfeitor a conduziu até uma pedra onde a sentou, tirou de sua mochila uma garrafa e a fez beber mais da metade. Já se sentindo melhor, ela comenta:
– Sensação estranha! Não sei o que aconteceu!
– Você teve uma vertigem, moça! Parece que não está acostumada com esse esporte, está?
Ela olha aquele rosto! Algo de familiar, ela não sabia bem o que, e responde:
– Não, não estou, mas preciso chegar à parte mais alta… O senhor me ajuda?
– Sim, já estamos muito próximo. Ele aponta a frente. – É logo ali, siga-me!
Mariza levanta rápido e começa segui-lo. O homem abre um espaço de 3 a 4 metros entre eles, ela corre, tenta alcança-lo sem sucesso. Mais uma curva e Mariza se vê no cume. Vira o rosto rapidamente para olhar a vista e volta a tempo de ver seu benfeitor sumir, desaparecer, como se fosse possível desintegra-se no ar, logo ali, na sua frente! Pena que ninguém mais viu. Pasma e trêmula ela lança lá do alto as cinza de seu pai! Neste instante uma linda revoada de pássaros segue, em cortejo, as cinzas. Mariza fecha os olhos e chora uma prece de pura gratidão!
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