No limiar de seus oito anos, Carlinho ficava muito feliz quando chegava a Páscoa e o Natal. Sua paixão pelo coelho da Páscoa e pelo Papai Noel chegava a ser obsessiva e enfadonha, apesar de se tratar de uma criança. As outras crianças, nas épocas comuns do ano, se interessavam por games, mas Carlinho era o ano inteiro a ânsia, o desejo que chegasse a Páscoa e depois o Natal. Quando chegava a Páscoa, só sentia o sabor do chocolate em sua inteireza se, ao mordê-lo, olhasse a imagem do coelho, nem que fosse no celular. Quando chegava o Natal, uma euforia invadia-lhe o coração e a mente; quando via as imagens de Papai Noel voando em seu trenó, envolto por estrelas, neves e pinheiros, parecia entrar em outra dimensão de sonhos coloridos e doces caramelizados.
Em uma manhã de sábado próximo à Páscoa, ele, Renato, o pai e Olivia, a mãe, estavam tomando café. Renato e Olivia não tiravam os olhos de seus celulares, enquanto o filho saboreava o Nescau:
– Mãe, quando você e o pai vão me levar no shopping para ver o coelhinho da Páscoa?
– Logo mais a tarde – Respondeu a mãe fria sem desgrudar o olho do celular.
As horas passaram, depois de comerem e beberem algo rápido, já na praça de alimentação do shopping, foram à loja de conveniência Carlinho, Renato e Olivia. Logo na porta estava dois robustos coelhões da Páscoa interagindo com as criancinhas que passavam. Sete minutos depois de contemplar os coelhos, Olivia disse:
– Vou ao toilette!
– Mãe, posso ir junto?
– Fica com seu pai! – Respondeu Olivia numa leve irritação.
Carlinho observou a mãe sair e como conhecia o shopping, notou que Olivia não se dirigiu ao banheiro feminino e sim à escadaria de emergência. Uma coisa de uns três minutos depois, um dos coelhões, de forma bem discreta, mas que não fugiu do faro de Carlinho, também se dirigiu à escadaria de emergência. Quinze minutos depois, ao ver o pai distraído, olhando para as nádegas de uma novinha, foi a vez de, pé ante pé, o menino se dirigir à escadaria de emergência. Ao chegar no rol, ouviu gemidos e sussurros; e só abriu um pouquinho a porta a ponto de que só um olhinho seu visse a cena dantesca: Olivia, sua mãe, com as duas mãos espalmadas na parede, com o corpo numa posição constrangedora e com a saia suspensa, rebolando desenfreadamente, enquanto o coelhão lhe pegava com firmeza pela cintura, por trás.
– Vai, seu coelho safado, não para!
O coelhão não perdia tempo:
– Isso que você quer, não é, sua vadia? Você não tem vergonha de tá aqui, dando essa sua raba pra mim, enquanto o corno tá lá com teu filho pequeno vendo o outro coelho que, daqui a pouco, também vai vir aqui te pegar não, hein, ô, sua putinha?
Foi o suficiente para o menino abaixar a cabeça e voltar para junto do pai que nem notou sua presença, já que estava interagindo em altos papos com a novinha. Alguns instantes depois, o coelho voltou e foi a vez do outro coelho ir para a escadaria de emergência. Vinte minutos depois, chegava Olivia com um semblante lívido e o corpo leve, quase uma pluma a flutuar pelo shopping.
Os meses passaram, até que chegou dezembro. Carlinho, apesar de muito triste, quis ver Papai Noel. O bom velhinho, que era só afeto, lhe consolaria com sua doce figura. Dessa vez foram ele, Olivia e Camila, uma prima da família, quase da idade de Olivia. Chegaram na mesma loja de conveniência do shopping, depois de terem almoçado na praça de alimentação – e contemplaram a opulente presença do Papai Noel:
– Vou ao toilette! Fica aí com a sua prima, Carlinho!
Camila conversava com o gerente bonitão da loja. Três minutos depois, Papai Noel seguia discretamente rumo à escadaria de emergência sob o olhar atento de Carlinho. O menino, dez minutos depois, deixou a prima com o gerente e foi ao rol que separa o corredor da escadaria. Como da outra vez, abriu bem devagar a porta apenas no limite de um olho para ter todo o domínio sobre o panorama: dessa vez, pôde ver Papai Noel sentado em um degrau da escada, enquanto Olivia – dessa vez completamente nua – em seu colo, com as pernas entrelaçadas ao bom velhinho; subia e descia como numa gangorra, sendo abraçada pela cintura com intensidade e desejo. Os dois balbuciavam palavras e frases dessa vez incompreensíveis.
Depois do Ano Novo, Carlinho e Olivia estavam tomando sorvete no shopping quando chegou um barbudo bonitão que deu um beijo em Olivia. Depois dos comprimentos:
– Carlinho, esse aqui é o tio Rogério. Ele é ator! É ele quem faz o Papai Noel e um dos coelhinhos da Páscoa aqui do shopping!
Carlinho olhava para o amigo da mãe com extrema frieza:
– Liga não! Ultimamente ele tá assim… esquisitinho.
– Leva ele pra me assistir no teatro. Tô com um infantil em cartaz lá naquele espaço que eu te falei.
– Levo sim!
Os dois se beijaram e Rogério foi embora.
Já na rua, Olivia parou com o filho em frente a banca de jornal:
– Você vai adorar esse gibi! – afirmou para o filho.
Comprou a HQ e presenteou o filho. Carlinho olhou a capa. Viu uma ilustração do coelho da Páscoa abraçado com o Papai Noel e no topo escrito em letras garrafais: O INCRÍVEL ENCONTRO DE PAPAI NOEL COM O COELHO DA PÁSCOA.
Quando chegaram perto do cesto de lixo mais próximo, Carlinho não pensou duas vezes; jogou o gibi no lixo e disse com a mesma frieza:
– Prefiro uma revista de sacanagem!
A prosa Rodriguiana de Rufino (ou seria a prosa Rufiniana de Nelson Rodrigues) deixou todos os ouvintes atentos. Por trás das “cenas picantes”, uma profunda reflexão sobre desgaste das relações conjugais e a forma hipócrita com a qual, muitas vezes, as pessoas optam por lidar com isso. Conto incrível. Parabéns meu amigo.
Obrigado, meu querido amigo e escritor Alexandre Bollman!! Vc sempre gentil comigo e com minha obra!!! Um grande e afetuoso abraço!!! 💞💕