Ouvi batidas insistentes na porta da frente. Já era tarde e eu me recusei a levantar da cama. A jornada de trabalho havia sido intensa e eu apenas queria descansar. Fechei os olhos fortemente como se assim pudesse acessar um interruptor que desligasse também os pensamentos. Já era madrugada. Naquele dia, eu havia conseguido deixar meu posto uma hora antes do previsto para visitar o túmulo do meu pai. Limpei o local e, entre um cigarro ou outro, conversei com ele sobre o futuro.
Agora, aquelas batidas não me deixavam dormir. Lembrei da conversa com um desconhecido à porta do cemitério. Enquanto eu visitara meu pai, ele visitara o filho. Assim, tentamos por um breve instante unir as duas pontas de vida e da existência. Lembrei das broncas do meu velho pai, sempre alheio às minhas opiniões. Lembrei das moedas que eu lhe roubava e como, por causa dele, eu tomei gosto por cerveja barata. A madrugada observava meus pensamentos e se recusava a dar lugar ao dia feito. Assim como as batidas na porta recusavam-se a cessar. Eu tentava a todo custo ignorar aquela presença imposta e sem convite.
Ao primeiro e ainda débil sinal de manhã, eu me levantei. E fui até a porta. Apesar da fechadura parecer-me outra de tão ressequida, com esforço abri então a passagem para fora e para vida, que teimava sob o céu cinza e preguiçoso. Não havia nada e ninguém se não um homem baixo e taciturno que já virava a esquina. Não me detive e em apenas alguns instantes voltei a me deitar. As batidas passaram a vir então de debaixo da cama. Estendi o braço até o criado-mudo e deixei sobre ele meu último cigarro.
– A benção, meu pai.
Assim, o dia raiou por completo. As batidas silenciaram. Meu coração e meus pensamentos também.
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