bolas bolinhas de gude

Picardias infantis na Esplanada

ALERTA: ESTE CONTO POSSUI ALTO TEOR DE FOFURICE

“A sessão do Congresso mal começara, com o plenário absolutamente repleto, uma vez que a pauta conjunta tratava dos interesses bem particulares de todos por ali: divisões orçamentárias e aprovação de cargos partidários e afins. De repente, ouviu-se um fundo musical ecoando: “♪Quem tem medo lobo mau… lobo mau… lobo…♪” e trovoadas replicando alhures, entrecortando o refrão infantil,  já vindo se aproximando dos céus acima da Praça dos Três Poderes… Houve no salão, de súbito, um apagão e pisca-pisca insistente de luzes seguindo-se os ruídos provocados pela ventania que varria as alamedas, formando-se uma espécie redemoinho no centro das bancadas bagunçando tudo e todos ali… Deu-se um silêncio mortal, um novo apagão e… o que passaremos a assistir agora são as cenas fantásticas gravadas pelas câmeras internas…”

Já era mesmo esperado aquele zunzunzum de que mais dia, menos dia, a coisa desandaria de vez, ou, quem sabe, aí é que poderia dar certo, pois brincadeira de criança é coisa séria – É que, na infância, tudo nos parece mais colorido! Né não? – Então, assim como num sonho, o universo pode parecer caber num parquinho (ou até mesmo poderia caber na palma da mão como um planeta transformado numa bolinha de gude e uma galáxia num círculo pra girar piões ou um triângulo riscado num chão de barro). E foi por conta de um feitiço ou mandinga poderosa que, naquele dia especial, o Congresso se vira transformado em jardim de infância. Imaginem só o tal furdunço!

Cabeça de criança é mesmo curiosa. Vai logo remexendo nas coisas, especialmente nas coisas proibidas pra criança e tudo veio abaixo como se um furacão atingisse o lugar. Ficou tudo muito lindo de se ver!

As congressistas, ainda minoria, enquanto meninas cordatas que já foram um dia, e bem diferentes dos arquétipos hipócritas que a vaidade parlamentar e a politicagem partidária lhes amargariam os semblantes num futuro distante… Bem! Elas até que se entenderam bem, contrariando os pessimistas de plantão. Mas não tem jeito, menina não brinca com menino. Tais pimpolhas saltitantes, sardentas umas, logo, logo, acertariam o combinado e bem felizes, quase todas, se fizeram juvenis e brincalhonas. Um grupo já pulava corda; outro, amarelinha; um terceiro, mais amplo, formou um grande circulo e dali se ouvira um jongo: “♪escravos de Jó…♪”. E não tardaria a primeira-dama mostrar-se a que veio se portando como a guria mais alegre dentre a festiva. Pôs-se de Maria Chiquinha e vestidinho de filó passando a liderar as ministras e assessoras, arrebanhando, também, as oposicionistas; e fizeram a roda e a festa. Algumas delas, como garotas interioranas que foram num tempo ido e sem qualquer protocolo oficial, passaram a brincar com bonecas de pano e trataram logo em ocupar o chão da cozinha presidencial.

Já com as petizes figuras dos líderes deputados e senadores a coisa foi mais complicada, pois eram muitos os tontos e raros os francos. O presidente resolvera imitar o “Cebolinha” e, enfim, deu a palavra final, mantendo a tradicional língua presa anunciaria o início das brincadeiras infantis lá fora. Logo na primeira tentativa de organização de uma reles disputa de bolas de gude, houve o impasse para-constitucional: seria a disputa feita com triângulo ou búlica?! Foi assim que se deu o dia nacional da bola ou búlica! E foi exatamente o presidente mirim, detentor do maior número de bolinhas, a quem coube dar nomes aos bois. Deu-se o título-mor de “Marraio-feridor, sou Rei”, declarando que tinha de ser por teco paradão e em cima dos cinco, não (desculpou-se) em cima dos quatro (por uns segundos, no clamor das reminiscências se esquecera da falta do mindinho, relembrando-se quando ainda o tinha), e não vale dar gansão, – prosseguiria -, nem jogar de bolão, nem de bilha, fazer vidinha, então!? Nem pensar! Com o seu olhar fixo nalgum ponto orbital, declarara, assim de forma apoteótica, que já foi muito bom de mira, mas que isto teria sido num passado distante – concluíra fungando, com lágrimas fugidias a rolarem teimosas, enxugando-as com as pontas dos dedos… Fora realmente difícil para ele se lembrar quanto aos seus primeiros tequinhos, disputando com os irmãos umas partidas de mata-mata nalgumas veredas estorricadas na Caatinga… Mas isso teria sido em plena meninice quando ainda nem tinha tanta força no dedão. E foi mesmo ao tentar firmar uma bolinha-de-gude novinha entre o indicador e o polegar que percebera lhe faltar a antiga e teleológica força no dedão ao deixar escorregar a prima oportunidade, observando aquela gude praticamente lhe escapar pelos dedos. Diante de tamanho engodo, não se fez de rogado e até se desculpara: não fossem as tendinites e artroses pueris, mostraria toda a sua destreza de bom jogador. Então, resolveram riscar um grande triângulo e enche-lo de bolinhas multicores – sonho de consumo da garotada – dez metros à frente estava a linha de tiro riscada no chão de barro vermelho, bem lá no fundão do jardim da Esplanada; e lá, com todos perfilados, os jogadores já ensaiando as estratégias, cada qual com a sua própria visão do melhor ponto de teco. O “Marraio” não abriria mão da sua posição, com a sua bola de fé já engatilhada entre dedos e outras tantas no saco, amedrontando os outros competidores, pois, as suas bolas eram do tipo presidencial. De repente, um brado de alerta se fez ouvir: “OLHA O RAPA!”, sem que ninguém soubesse bem de onde partira o grito. Eis que fizeram a limpa no triângulo do chefe. Houve arrastão, empurra-empurra e corre-corre, com bolinhas rolando pra todos os lados. Diante de tamanha confusão, o líder poderoso não aceitou qualquer miserinha como desculpa e tomou a carga de gudes do maior oponente. Os dois ali já prestes a se tamparem na porrada, quando se abriu a tal roda democrata histórica, intermediada pela turma do judiciário, decidiu-se que: quem cuspisse primeiro na mão do Ministrinho da Justiça xingaria a mãe do outro. Mas, como meter a mãe no meio é coisa imprópria até na política! Na hora H baixou o cagaço no líder, dizendo que teria ouvido a mãe chamar pro almoço. E…como chamamento de mãe é coisa séria, ficou assim mesmo decidido: “…ou bola ou búlica!”