A última pessoa que vi em minha despedida no aeroporto foi minha vó. Eu estava no saguão, brasileiramente beijando e abraçando familiares, me encorajando para recomeçar a vida na França, quando chegou a vez dela. Provavelmente era meu último encontro com a vó na vida. A surpresa: ela, embora sem palavras, destruiu toda minha pompa por estar emigrando: me disse ao pé do ouvido: “o teu recomeço não é nada demais, eu fiz o mesmo há cinquenta anos atrás”.
Meses antes da minha partida, a vó contou que casara, engravidara e, cansada de colher café numa fazenda capixaba, embarcou num pau de arara do Espírito Santo ao Rio de Janeiro. Sozinha, fez a vida no subúrbio. Pela descrição, seu pau de arara era apertado como os bancos desse avião que já machucam meu joelho. Nós, acostumados a tomar um metrô e chegarmos aos melhores lugares da Cidade Maravilhosa, não imaginávamos que devíamos tal facilidade a alguém que, duas gerações antes, fizera tamanho sacrifício.
Minha sorte foi que o olhar da minha vó no aeroporto também me disse, como incentivo, que a aventura valeu a pena: afinal, minha mãe pôde ser mais que uma camponesa capixaba e eu pude escolher, décadas depois, começar de novo em outro lugar: repetir o sacrifício.
Sim, será um sacrifício. Estou indo à França trabalhar como babá. Vai ser duro. Mas depois melhora: minha filha poderá nascer com cidadania europeia, crescer num lugar menos violento; à época dos estudos universitários, encontrará um país disposto a investir em Ciência; ganhará em euro; casará, se quiser; e, também se assim decidir, será mãe, e para minha futura neta o Brasil será apenas uma memória coletiva distante. Faço este esforço de mudança também para minha neta ter o Velho Mundo inteiro ao alcance dos pés.
Mas agora percebo, vovó. Você não iniciou nada. Cinquenta anos antes da senhora, foi a sua avó quem entrou num navio apertado na Itália e atravessou o Atlântico em direção ao Espírito Santo: sem enxada e sem fluência, só gestos expansivos e dívidas desconhecidas. E mais, vó: eu não termino a aventura. Minha futura neta achará a Torre Eiffel da janela do quarto a coisa mais normal do mundo e, quem sabe, daqui a cinquenta anos, não seja ela a se despedir de mim, não num aeroporto, mas numa estação espacial? Eu estarei com os olhos cansados como os seus, vovó, observando-a entrar num foguete – apertado, que é tradição familiar – em direção a uma colônia em alguma região da Via Láctea.
Me desculpa, vó, não sou digna de mérito por pegar esse avião (que agora já sobrevoa o oceano). A senhora também não é por ter embarcado naquele pau de arara. Este é um carma da nossa linhagem: a primeira geração se muda, a segunda usufrui e a terceira se cansa e vai embora.
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