Palavrando

A palavra subiu a montanha, encontrou a fé, passou por Moisés, Jesus e Maomé e chegou a um poço de desejos. A palavra escalou alguns pensamentos, mediu tais alturas e exclamou:                  – Céus!

A palavra ficou imaginando o quão fundo deve ser tal poço, poço rotundo, a boca enorme, delineando, circulando, mergulhando até o fundo, mas buscando sempre o mesmo som, a mesma saída para que o eco se desenvolva subsequentemente e não fique se repetindo feito um papagaio destrambelhado, ou um gravador travado, ou um disco arranhado.

A palavra, agente reagente na gente, só quer cumprir e expandir o seu papel de ser ponte, portal, dar corda, caçamba, tirar do poço, não deixar desta corda ponto sem nó, entretecendo, vírgula,  trançando o ir e vir em linhas até que uma borracha, que se acha bem sucedida, apronte alguma pro lado do grafite, frenando no meio da folha, como  a jogar um balde de água fria no cerne da memória ou que a ponta de um dedo duro friccione a tecla “delete”, cerceando a ascensão de toda a expressão em alguma depressão.

A palavra quer continuar a subir apertando, estreitando, acendendo, queimando a mufa, fazendo a cabeça ficar fumaça, nas alturas, nas nuvens (e como tem nuvens!), passar por mais escrituras sem beatitudes, extremismos e sacralizações. Pá lavrando, língua escalavrando a terra.