casal bar

Pagando o pato

Quatro para as três da madrugada. Os cascos vazios de cerveja já se avolumavam. O bar, completamente vazio, a não ser por aqueles dois clientes persistentes, para não dizer inoportunos. 

O cenário era uma ruazinha escondida no Bairro da Luz, a qual, paradoxalmente, contava com apenas dois postes luminosos, estando um deles com a lâmpada queimada. O ambiente chegava a ser misterioso, quase sombrio, mas Bruno e Bianca não se importavam nem um pouco, sequer sentiam o tempo passar. Não pareciam estar nada preocupados em contar os minutos. 

O papo de horas já tinha transitado por política, literatura, poligamia, futebol e, conforme a concentração de álcool no sangue aumentava em progressão aritmética, a criatividade dos temas debatidos se amplificava em proporção geométrica. Bianca então encheu mais uma vez os dois copos, esvaziou a garrafa e mandou na lata:
– Você acha que diabo tem pinto?
– Viiixi… Olha Bi, eu nem sei se ele existe, mas acho que ele pode ter o que quiser: pinto, galo, galinha. E se não tiver um pintinho que seja dele mesmo é só roubar. Não tem aquele papo que o diabo vem para roubar, matar e destruir?
– Caramba Bruno, nem parece que fizemos o fundamental no colégio das irmãs! Essa parte da Bíblia fala que o ladrão veio para roubar, matar e destruir. Era uma metáfora sobre os maus pastores e falsos profetas. Não tem nada a ver com o diabo… Mas isso também não importa. Você entendeu tudo errado. Eu estava falando de pinto como sinônimo. Estou querendo dizer pênis, órgão genital masculino. Aliás, por que é O diabo? Diabo, por acaso, é macho?
– Viiixi… já vi onde esse assunto vai chegar. Mas… olha, para quem acredita no cara… Viiixi… vou falar cara porque não gosto de falar o nome do fulano cornudo… para quem acredita no cara, deve achar que ele tem um certo poder, né? Então acho que ele podia ter pênis, vagina, os dois, nenhum dos dois, o que quisesse… Aliás, já pensou, o cara chifrudo e hermafrodita?! Hahaha! Garçom, a saideira!
– Estamos fechando… E já foram duas saideiras.

Após o argumento irrefutável do já exausto trabalhador, Bruno replicou, quase suplicando:
– Por favor, Jorge, a expulsadeira então, que não dá pra terminar esse assunto a seco. Continua aí, Bianquinha.

O contrariado garçom, que se chamava João, decidiu que ia dar menos trabalho atender logo àqueles dois. Bianca, depois de digitar algo no celular, pôde prosseguir:
– Viu, você se referiu a diabo como o cara, olha o masculino aí de novo. O tridente evidentemente é um símbolo fálico. Mas essa lógica do patriarcado desaba na própria incoerência e contradição. Afinal de contas, diabo não é um anjo caído? Pois então… vocês não vivem dizendo que anjo não tem sexo? Ou agora você quer discutir o sexo dos anjos?
– Viiixi… Eu não quero discutir nada, Bi… Você que veio com esse papo esquisito se o cramulhão… cramulhona… viiixi… ah, sei lá, você que veio com esse papo esquisito se o cara tem pinto. Se não tem e quiser ter, passa a ter, compra uma prótese peniana, implanta, tá resolvido. E não me enche mais o saco…
– Ah… É assim? Não enche o saco? Então fica aí com seu diabo com pinto de borracha. E também fica com a conta pra você pagar sozinho. Aliás, Bruno, meu Uber acabou de chegar. Fui!
– Uber? Chegou? Conta? Sozinho? Viiixi… caí nessa de novo! Lá vou eu pagar o pato… o pinto… não, a conta! Viiixi… tô sóbrio não. Garçom, a saideira!