Murilo andava pelos cantos dos muros, irado, chutando latas, olhos crispados… Era só vergonha, constrangimento e desespero. Também pudera, vibrara tanto com as possibilidades; suas expectativas eram as melhores. No entanto, ele não se conformava com o inesperado:
– Caramba! – Ele gesticulava, reclamando com o além – Como pode acontecer comigo? Um rapaz jovem!…
– 67 anos! – Ouviu a resposta.
– Desportista!…
– Sobe cinco degraus de escada por dia – a interação ecoou no seu cérebro.
– Alimentação saudável!
– Feijoada de segunda à quinta; mocotó de sexta à domingo.
– Consumo frutas… Bebo quatro litros de água por dia!
– E quatro engradados de cerveja por noite!
– Cuido da saúde, durmo cedo!
– Sim, um pouco antes do sol nascer – Ele abana com as mãos e segue discutindo com demo.
– Estava tudo dando tão certo, maravilhoso!
Murilo esperara por aquela noite uns bons anos de sua vida… Bem que achou que era sorte demais. Entrara em uma clínica veterinária com o gatinho da filha caçula nas mãos e deu de cara com Soraia… A colega de classe do ensino médio, responsável por suas primeiras ereções em público… Era linda! Hoje nem tanto, mas ainda era a Soraia, a gostosa da sétima série… Hoje um tanto pesada, um pouco acabada, mais ainda era a Soraia, a gata que colocava todos os pintos em riste quando passava com a sua minissaia rodada; era a fantasia sexual compartilhada por todas as classes da Escola Santo Antônio de Pádua… O que sabiam era que só o Castro, filho da diretora, havia pegado, mas hoje a noite seria a sua vez! Reencontrara Soraia 52 anos mais tarde; sozinha e divorciada. Lisonjeada por saber da paixão contida dentro daquele homem, por tanto tempo. E decidiu realizar uma a uma todas as suas fantasias!
Mas, justamente nesta manhã, completara 48 horas que o seu estimado pinto não levantava nem para fazer xixi. Estava amuado, entristecido, caído pro lado, à espera da extrema unção! Se já foi ao médico? Sim! O doutor disse que todos perecem um dia! E o caro pinto cumpriu sua sentença… E se encontrou com o único mal irremediável; aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a Terra; aquele fato sem explicação que iguala tudo que é vivo num só rebanho de condenados. Porque tudo o que é vivo, morre! E o pinto do Murilo morreu. O celular acende avisando da mensagem que acabara de chegar… Era uma foto que Soraia enviara, exibindo a lingerie vermelha que pretendia usar no encontro mais tarde. Diferente do que era de costume, o pinto se encolhe ainda mais em meio ao saco. Desolado, quase em prantos, Murilo resolve entrar em um bar para beber o morto. Foi quando aquela cigana apareceu:
– Moço, o senhor não quer me dar uma moeda? Eu poço ler o seu futuro.
– Não preciso pagar para saber. Meu futuro é a morte! Comecei a morrer por partes.
– Garanto que não morrerá agora! Ainda tens 28 anos de vida! Podemos negociar. Ainda hoje terás 53 anos novamente!
– Como assim? – O desespero era tão grande, que Murilo começou a considerar a possibilidade.
– Dividir ao meio moço… Dê-me catorze anos de seus dias, que te devolverei catorze anos de sua juventude. Não lhe parece justo?
O celular acende de novo. Soraia outra vez… A lingerie agora era preta. Murilo olha novamente para a cigana, que agora tinha bigode, um sinal estranho na testa, cheirava enxofre e pergunta:
– O que tenho que fazer?
– Nada! Apenas vá pra casa, beba esse tintura e deita para descansar!
A estranha anciã, que até a pouco era uma cigana, sorri satanicamente, com a boca cheia de dentes de ouro… Mais perturbado do que antes, Murilo obedece. Antes de atravessar a rua, um tenebroso anão diz:
– Moço! Não é sete… E nem 17… São catorze anos que me deves!
Murilo seguiu o ritual. Depois de ingerir a poção apagou. Acordou com a sensação que dormira um dia… Foram só sete minutos! Lembrou de Soraia e pulou da cama com uma agilidade surpreendente. A cigana… O anão… Passavam vagamente por sua cabeça, mas, concluiu , admirando o membro rígido, que só poderia ter sido um sonho. Murilo foi ao encontro de Soraia mas, enquanto a aguardava no bar, conheceu Alice, de 25 aninhos, e remarcou com Soraia para o dia seguinte. Mas aí aconteceu a Marilia, depois a Fernanda, a Letícia… 14 anos voaram sem que ele se desse conta.
Em uma manhã, Murilo se levantou sentindo uma dor nas costas que há muito não sentia. Caminhou até o banheiro e só percebeu que fazia xixi quando sentiu um líquido quente escorrer pelas pernas. Seu pinto havia morrido pela segunda vez… Essa constatação reacendeu sua memória… Lembrou-se da anciã, do anão… E quando se olhou no espelho, viu refletido a cigana, que ria exibindo a boca com os dentes todos de ouro. Ele corre. Sai porta afora, fugindo… Sem saber ao certo de quê. Seminu chega à rua… Do outro lado da via está Soraia a lhe sorrir estranhamente… Desesperado, vai ao seu encontro, mas antes de alcançá-la, ela se transforma na cigana que exibe, às gargalhadas, o seu pinto morto. Atônito, ele leva as mãos entre as pernas e ao certificar que nem morto o teria mais, enfarta, cumprindo com a sua parte no pacto.
Foi um prazer ter lido seu conto no Encontro do Aleatórios desse mês. Não que eu não tenha gostado dos outros, pois foi difícil demais escolher dois para votar, votaria em todos, mas , me senti feliz em ler este!!