Tudo roda. Diferente da tontura, a vertigem é uma perda da referência da direção. O teto roda, o chão roda e você perde a direção. Daquele dia me lembro disso e da citação de Freud, que diz que “cada pessoa é um abismo. Dá vertigem olhar dentro delas”.
Acordei com tudo rodando, desorientado. Resolvi ir ao médico. Joguei o endereço no aplicativo e aguardei, meio que mal arrumado pra sair, o motorista chegar. Sobre o móvel da sala a foto das minhas sobrinhas se mexia. Parecia que elas estavam correndo ou dançando. Pena que não tínhamos filhos. Adoro crianças, mas Vanessa não quer ser mãe. Quase me distraio e desço pra pegar o Uber. Tentava não ficar mais tonto do que já estava. Algo no ouvido estava me deixando maluco. Doía e me deixava desorientado. Já pensava o que fazer para sair do carro e chegar até o consultório sem cair e tropeçar nos corredores e portas até lá. Tentava medir o caminho de olhos fechados, de modo a evitar que o mundo rodasse, até que o motorista diz: Chegamos! Já descendo do carro, percebo que não era o prédio do médico.
– Campeão, não é aqui não!
– É sim, chefe. Foi o endereço que você colocou.
Eu só podia estar errado. Me conformei, deixei o motorista ir embora e procurei me orientar. Talvez o GPS do carro tenha me deixado na rua detrás do prédio. Tentei a próxima rua. E nada. Nenhum prédio parecia nem perto do que tinha visto de casa. Onde se acha uma rua se você não pode consultar no Google? Claro, na banca de jornal. Por mais que seja um artigo em extinção, aquela rua devia ter umas 3 bancas de jornal, uma perto da outra. Entrei na primeira e perguntei:
– Bom dia. O senhor sabe onde fica a Rua Passos, onde fica um consultório médico?
– Rua Passos? Não conheço.
– Não é possível. Estou no centro, perto da Praça da Bandeira?
– Sim, mas trabalho há muito tempo aqui e não conheço nenhuma rua com esse nome.
Desisto! Estou ficando mais tonto dando voltas e é bem provável que tenha pego o endereço errado. Só me resta voltar pra casa e pedir um remédio qualquer na farmácia. Quem sabe se lá pro fim da tarde eu não estou melhor e encontro um médico mais perto de casa? Nessa hora passo na porta de um banco. Claro! Meu padrinho de casamento, Guilherme, trabalha aqui. Posso pedir a ajuda dele pra voltar pra casa. Entrei e fui falar com o segurança.
– Bom dia! Poderia falar com o gerente Guilherme?
– OK, senhor. Aguarde um minuto que eu vou chamar. Pode sentar aqui. Quer uma água?
– Agradeço.
Mas não dá um minuto e quem me aparece é minha esposa.
– Cláudio, está fazendo o que aqui?
– Vim no consultório médico e me perdi. Vim aqui pedir a ajuda do Guilherme e…
– Bebeu? Ele não trabalha nessa agência. Nem nesse banco. Vou pedir pra sair e te levar em casa.
Entrei no carro com a Vanessa, muito sem-graça. Tudo bem que eu estou tonto, mas não a ponto de errar de banco! Melhor eu ficar quieto até em casa, tomar alguma coisa e esperar essa montanha-russa passar.
Tomei um analgésico e caí na cama. Acordei sem saber quanto tempo tinha dormido. Vanessa deve ter voltado ao trabalho. Será que ainda dá pra ir ao outro médico? Não parecia mais tão tonto, mas sim confuso. Meu quarto parecia diferente, a roupa de cama também. Cheguei na sala e estava em outra casa. Será que Vanessa me deixou na casa de alguém? Olhei nos porta-retratos na parede e não entendi mais nada. Era eu abraçado a Renata, minha namorada da adolescência. Vanessa me deixou na casa da Renata? Elas nem se conhecem! Nessa hora surge a Renata.
– Amor, se arruma pra ir ao médico ou vamos nos atrasar. Pega a Bela e já vai descendo.
– Temos uma filha?
– Não, Cláudio! É a nossa cachorra. Tem certeza que você acordou?
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