Onde se escondem os segredos

No consultório da psicóloga entra um senhor de meia idade. Ele comenta brevemente à psicóloga que era um religioso, e que tinha uma séria de problemas emocionais e segredos que gostaria de partilhar e resolver com a psicóloga. Deitou-se no divã, como se tivesse entrado numa piscina quente. Começou a falar de sua infância, cheia de altos e baixos. Traumas, frustrações, desejos proibidos… Na adolescência, esse período “terrível”, segundo ele, tudo se acentuou, até que resolveu entrar em um convento para expiar seus desejos lendo os livros sagrados. A psicóloga escutava com atenção o relato do paciente tentando se eximir de pré-conceitos. Mas a monotonia da fala do religioso, foi embotando sua atenção, e pestanejou, até que sem sentir adormeceu. Naquele momento, viu-se entrando por um túnel que percebeu ser o ouvido do paciente… Entrou um tanto preocupada, até chegar ao seu tímpano, e moveu uma maçaneta (pois o tímpano era um portal), e adentrou no cérebro do paciente. Ali, subiu uma pequena colina, e deslumbrou a vastidão do cérebro do paciente. De um lado vislumbrou à direita um grande deserto; ao centro um mar infinito; e à esquerda, montanhas escarpadas, que imaginou difíceis de subir. Curiosamente, em cada uma desses cenários, havia uma pequena tabuleta, que apontava para o horizonte, onde estava escrito: “SEGREDOS”. Diante da dúvida, a psicóloga preferiu o mar. Havia um pequeno barquinho, e então colocou-se a remar, até vislumbrar ao longe uma pequena ilha. Desembarcou e avistou um pequeno baú, revestido de couro antigo, e ornamentado com desenhos árabes, onde estava escrito em português: “SEGREDOS”. Havia um cadeado dourado, e mesmo sem a chave, tentou abrir o baú. Sem sucesso. Levou o baú para o barco, e retornou para terra firme. Juntou várias ferramentas: martelo, serrote, pé de cabra, dinamite…Tentou todos os instrumentos, até a explosão do baú, mas não obteve sucesso. A peça era inviolável, e indestrutível por meios físicos. Então encostou-se no baú, sentindo-se derrotada. Sentiu em sua pele uma vibração vinda de dentro do baú, tal como o ronronar de um gato. Percebeu que havia algo vivo ali. Estranhou. Fez-lhe um carinho, e o baú se mexeu, como se sentisse a carícia. Aumentou as carícias, e o baú, quase faltou rir das cócegas. A psicóloga conversou com o baú, e esse respondeu com pequenas vibrações, e modificações de sua forma, de seu corpo. Com paciência e uma voz carinhosa, percebeu que o baú parecia relaxar-se lentamente, e se tornara mais macio, talvez quase como se tivesse se transformado num pedaço de colchão, ainda em forma de um baú. Mais algumas palavras, e escutou um estalo, como se um lacre, tivesse se aberto. Empurrou a tampa, e ela se abriu com um rangido milenar. Observou seu interior, com curiosidade e precaução. Haviam ali papiros, pergaminhos, e livros velhíssimos, carcomidos pelo tempo, escritos em línguas mortas ancestrais indecifráveis, além de desenhos antigos, onde podiam-se notar guerras, sangue, gritos, cópulas, crianças, animais, castelos, religiosos, frutas, pecado e salvação, instrumentos musicais, símbolos arcaicos… Pegou as folhas quebradiças, e estranhamente sentiu nessas folhas a sensação da textura de uma pele viva com calor, humildade, e oleosidade, aveludada, como se estivesse tocando num ser vivo. Nesse momento assustou-se, e acordou. Olhou para o divã. O cliente já não estava mais no consultório. Nunca mais retornou.