padre sacerdote, vigário

Olho por olho, hóstia por ódio

Seus olhos não paravam de encarar os globos oculares daquele vigário! 

Olhos negros! Pareciam olhos de rato… Os ratos têm visão dupla, cada olho vê uma coisa; podem se mover em direção diferentes e são até capazes de verem por cima da própria cabeça. Pois eram assim os olhos daquela vil criatura! 

É, mas agora o sacerdote do diabo estava em suas mãos… Literalmente! Fugiu daquele olhar e voltou  a manipular as pílulas! Bateu o pó de todos os comprimidos na bandeja inox, para jogar na pia, posteriormente. E preencheu cada invólucro com o novo conteúdo, mais eficaz! Ele administrava dois a cada quatro horas! 

Voltou a encará-lo! Agora, deixou escapar um leve sorriso em um dos cantos da boca. Lembrou-se de quando o conhecera, era um miúdo de apenas nove anos. Sua tia o levara à missa, que ele, praticamente, já sabia de cor todas as etapas. Desde os ritos iniciais, passando pela liturgia eucarística, até os ritos finais. Na época, ouvia hip hop, cantados pelo irmão mais velho e, então, sempre cantava os hinos com as batidas de rap. Apenas solfejava, depois que a tia lhe deu um cascudo por cantar alto. 

– Vá direto pra casa! – Dizia-lhe a tia, sempre após as missas – Vou ter com o padre. Ele quer conversar sobre a quermesse. 

– Vá pra sua casa, o padre quer conversar sobre a ascensão de Jesus! – disse outro domingo. – Não vá se desviar!… O padre Eusébio quer conversar sobre o Pentecostes! – Outro dia. Alguma coisa, mais do que santa, acontecia naquela igreja após as missas de domingo, envolvendo sua tia e o padre Eusébio. Já no sábado ela amanhecia eufórica! Dormia “acesa” e acordava radiante.  Emperiquitava-se toda: cílios, ruge, perfumes, roupas cheirosas… E, por fim, batoneava-se! Pegava pela mão do sobrinho e seguia em direção ao inferno, digo, da igreja. 

E ele, no Hip hop. Baixinho. A tia, deslumbrada com a “missa”, nem o percebia mais. Nessa época o padre tinha uns quarenta e poucos anos e a tia uns vinte. Dois anos depois a tia Vera sumiu. Sua mãe contou  que ela fora morar com outra tia em Mato Grosso. Ele ouviu a mãe falar para uma comadre que alguém a tinha engravidado… “Um homem casado, safado” e que, para evitar dramalhões e fofocas, viajara. 

Bom, a tia viajou, mas não sem antes apresentá-lo ao padre Eusébio. A tia não via, mas o sacerdote, sim, percebeu aquele menino, dentre os poucos que iam às celebrações matutinas; era um garoto que “cantava” os hinos… Gesticulando… 

– O Eusébio. Digo, o padre Eusébio quer conhecê-lo! – Mencionou a tia Vera. 

Os seus olhos brilharam… Queria, sim, conhecer aquela figura impoluta, de vestes maravilhosas…  Parecia um super-herói! 

Filho da puta!… Herói porra nenhuma! 

No início, ao ser levado à casa paroquial, Eusébio, digo, o padre Eusébio falou que ele era um petiz muito bonito; pegou em seu queixo e disse que, com certeza, era um garoto muito inteligente… – Não quero ir mais pra missa, mãe! 

– Como assim… Você será um sacristão!… Poderá ajudar na missa! 

– Não me interessa! Não quero e pronto! 

– Você não tem querer e pronto!… O Eusébio, digo, o padre Eusébio já mandou fazer sua batina sob medida… Você vai ficar lindo, meu filho! 

Padre filho de uma puta! Como a mãe disse, ele não tinha poder sobre o próprio nariz. Virou sacristão… E descobriu que além de fazer a faxina na nave da igreja, ser porteiro, tocador de sinos, servidor  do templo e guardião da igreja, entre outras coisas… Tinha que cuidar de Eusébio… Digo do padre Eusébio! E fazer mais algumas coisas que não podia contar em casa, sob o risco de queimar nas labaredas do inferno. 

Hoje, tinha trinta e cinco anos, o padre uns sessenta e cinco, por aí… Agora, formado em enfermagem,  José fora chamado para cuidar de um velho padre, em um lar sacerdotal. Não foi por acaso. Investigou e descobriu onde estava o Eusébio, digo padre Eusébio, há muito tempo, retirado da cidade às escondidas, depois que uma beata o apontou como filho da puta, digo, pai do filho dela. 

Fez-se voluntário, como cuidador. O padre estava bem decrépito, apesar da idade. Não falava, balbuciava, babava… Mas, os olhos de rato persistiam em encará-lo. No entanto, não o reconhecera. Tinha diabetes, o filho da puta! Que bom!… Além de toda aquela prostração! 

Uma diabetes que resistia aos remédios prescritos pelo médico e controlados por José, seu devoto  cuidador, que consistiam, basicamente, em uma injeção, experimental, que parecia não surtir efeito e…  Algumas drágeas, astutamente, substituídas por cápsulas de açúcar! 

Epitáfio: Aqui jaz Eusébio, digo, um padre filho da puta!… Que me perdoem as putas!