“O VAZIO DE MUITAS DESPEDIDAS” em letras garrafais a manchete do jornal se destacava na capa e logo depois se lia na chamada “O país passa dos 400 mil mortos com luto agravados em enterros solitários e rápidos, com caixões fechados.” O pobre homem com o semblante triste e o rosto levemente umedecidos pelas lágrimas que escorriam, lia em silêncio mais uma triste notícia sobre a tragédia da Covid-19. Lembrava que aquelas palavras doíam no fundo da alma pela perda da sua querida esposa de muitos anos juntos. Senta no banco da praça, dobra o jornal e a lembrança dos últimos momentos que esteve com a esposa invade seus pensamentos.
Ela que sempre fora uma mulher forte, alegre e muito trabalhadora, que vendia saúde. Era agora apenas uma boa lembrança que ele iria guardar para sempre. Mas naquele instante, ao ler o jornal, parecia que a sua dor estava também estampada na sua página principal. Lembra de seus últimos momentos com ela, quando deu, através do vidro do quarto do hospital, um aceno de até breve. Mas não obteve resposta. Ao sair do prédio parou no primeiro bar e bebeu todas, porque sabia que ao chegar em casa a solidão estaria lhe esperando logo na entrada. E durante muitos dias ela resistia em ir embora, me espreitava em todos os cantos, dividia comigo a mesa na hora do almoço e do jantar, me encolhia no canto do sofá e na cama não me deixava dormir. Só a saudade e a esperança de ter a sua mulher de volta ainda o mantinha vivo e certo que a solidão deixaria em breve sua casa com mala e tudo. Mas o tempo era cruel, os dias passavam e uma boa notícia não chegava nunca. E nunca chegou.
Um vento forte desfolha o jornal e ele não faz gesto algum para segurá-lo. Observa as folhas voando sem destino e sente que grande parte de sua vida também desaparece no ar junto às páginas.
Maio de 2021
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