As nuvens desenhavam uma cor cinza chumbo. O pátio respirava o silêncio e as passadas do grupo pareciam pesadas, se arrastando lentamente sobre o terreno seco. Não se escutavam pássaros. O condenado à frente caminhava para o tronco onde seria amarrado. Seu semblante era tranquilo, não havia nele o sentimento de culpa. Parecia um Sócrates ou um Sêneca diante da morte. Os militares o amarraram ao tronco e o vendaram. Distante dez metros do condenado, se perfilaram com seus rifles apontados, aguardando a ordem do oficial. Para eles, uma função digna de um patriota, diante de um condenado por traição à pátria. O oficial grita com tom imperativo:
-Preparar!
Os subalternos confirmaram suas armas. Nesse momento, o tempo congela. Os segundos que o separam da morte parecem eternos. Lembranças confusas e entrecruzadas se emaranham em seu coração. Lembrou de sua infância, onde nunca traiu sua mãe, seu pai ou seus irmãos. Não sendo um santo, sempre atuou merecendo a confiança daqueles que o cercaram. Na adolescência foi fiel aos seus amigos, mesmo no momento das merdas que o grupo resolvia aprontar no bairro onde moravam. No trabalho, continuou sendo querido e todos confiavam à ele segredos e confidências. Nunca traiu os outros trabalhadores. Com sua família sempre se mostrou sincero e merecedor da confiança. Veio então a maldita guerra. Foi convocado de forma obrigatória e se apresentou para lutar por seu país. Ali percebeu como os oficiais sacrificavam a tropa, sem qualquer motivo lógico, com exceção do interesse deles próprios, que muitas vezes enviavam cem soldados para o front da zona de guerra e retornavam somente dez. Percebeu que apesar dos tons enaltecedores e de ovação à pátria, eles nada mais eram do que carne a ser queimada em nome de uma pátria falsa. Rebelou-se com alguns companheiros, rejeitando ordens absurdas. Foi preso e ameaçado por crime contra a pátria. Foi solto da prisão e enviado ao front de batalha como punição. Testemunhou a carnificina perpetrada pelos oficiais. Conseguiu sobreviver e, com valentia, superou vários desafios de risco iminente com uma coragem além dos limites, salvando vários companheiros da morte certa. Retornou vivo. Enviado novamente ao seu batalhão de origem, fez uma nova insurreição contra ordens superiores. Foi preso novamente e, como exemplo de intimidação, num julgamento forjado e tendencioso, foi condenado à morte. Leram para ele que ele seria um traidor, e pela nossa constituição, a única sentença que ainda existia para a aplicação da pena de morte seria por ato de traição. O oficial gritou novamente:
– …apontar!!!
Os subalternos apontaram suas espingardas para aquela ave indefesa. Com os olhos vendados, conseguiu enxergar que sua morte era a morte da sinceridade, da fidelidade, da confiança, da coragem e da lealdade, e não da covardia ou da traição, como o haviam acusado. Ele seria a partir dali um mártir dessas causas. O oficial grita:
-Fooogooo!
O corpo está ensanguentado, inerte sobre o solo. Tiram-lhe a venda. O semblante é de paz. O corpo é jogado numa vala comum. O oficial orgulhoso preenche os detalhes da morte, e passa ao seu superior sobre o sucesso da ação da sentença e da aplicação de pena de morte. O general ordena que em todos os locais da batalha seja feito um comunicado às tropas sobre a morte do traidor. A pátria continua causando seus males.
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