sala de estar

O rabo do dragão

– Amor, abre a porta pro moço do Feng Shui, por favor?
– Moço do quê?
– Feng Shui. Contratei o Senhor Wu para harmonizar a energia da casa. Melhorar os fluxos, atrair coisas boas…
– Entra, Senhor Raul. Seja bem-vindo.
– Min Senhor Wu. Feng Shui casa Dona Teresa.
– Amor, vai ver a panela no fogo enquanto eu recebo o Senhor Wu?
– Por que esse cara tá mudando os quadros de lugar? Pego ele se derrubar meus quadros do Street Fighter.
– Tu cala a boca, Ricardo. O homem vai ouvir.
– Ele nem fala português, Teresa. Ele entende de Shang Tsung.
– É Feng Shui! Deixa de ser inútil e vai ajudar ele.
– Agora ele tá mudando as plantas de lugar.
– É pra passar o rabo do dragão.
– Sua mãe vai vir aqui passar o rabo nas plantas?
– Não fala assim da minha mãe, seu imbecil! Vou tacar essa panela na sua cabeça!
– Vai acabar com o Tai Chi Chuan da casa.
– É Feng Shui, Ricardo! Você não leva nada a sério.
– Foi você que começou. Tava tudo bem até trazer o Senhor Xu pra redecorar a casa.
– Como você é idiota. Eu tentando resolver as coisas e você fazendo chacota. Os peixes do aquário morrem, as plantas não crescem…
– No aquário foi porque eu botei água gelada num dia frio. As plantas morrem porque você usa um regador grande e água demais as bichinhas.
– Grande é a sua língua! Igual à da sua mãe.
– Opa, não põe minha mãe no meio. Ela te trata tão bem… Teresa, o japonês tá mexendo na lâmpada, vai lá ver.
– Senhor Wu, tá tudo certo com o senhor?
– Wu melhorar luz. Energia fluir, fluir.
– Tá bom, Senhor Wu. Ricardo, volta aqui que eu não terminei de falar.
– Eu vou é dar uma volta. Será que o senhor Xu vai demorar?
– Energia muito pesada. Wu entende tudo. Problema é vocês, problema é vocês. Caso perdido. Wu vai embora.
– Como assim, Senhor Xu?
– É Wu Xiaoxiao. Meu nome Wu Xiaoxiao. Eu vai embora.
– Chau Chau, senhor Wu. Já vai tarde.
– Que isso, Ricardo! Senhor Wu, volta aqui. Viu o que você fez, Ricardo? Ele foi embora por sua causa.
– Então eu vou embora também. Na rua não tem Feng Shui pra eu atrapalhar.
– Volta aqui, Ricardo! Ricardo…

***

– Voltei, querida. Fui dar uma volta e me dei conta de que fui um idiota mesmo. Desculpa.
– Ah Ricardo. Eu amo flores. Desculpo sim. Vou lá na cozinha pegar um vaso pra botar essas flores na água.
– Aaaaaaahn, ooooonnnnn… Aaaaaaahn, ooooonnnnn…
– Que merda é essa, Ricardo?
– Tô equilibrando as energias.
– Fazendo a bailarina no meio da sala? Olha esse tapete como tá.
– Cuidado! Atrás de você!
– Que isso? Que isso?
– Era o rabo do dragão. Mas já passou.
– Babaca!