inferno

O louco que não quis nada com o diabo

Quando o louco chegou na porta do céu ela estava totalmente aberta, escancarada, não havia ninguém para recebê-lo. Quando ele viu aquilo, não pensou duas vezes: foi logo entrando de supetão. Mas São Pedro, que tinha saído por um instante para fazer necessidades no banheiro celestial, chegou a tempo de detê-lo. Muito aborrecido com a audácia, chamou logo sua atenção:
– Sei que o senhor é louco, mas o céu não é o Brasil de outrora, onde todo mundo entrava, saia e fazia o que queria. Aqui tem ordem.

Já mais calmo, o santo explica para o louco que para entrar no céu existem categorias. Políticos, assassinos e diretores de estatais, por exemplo, nem chegam perto daqui, vão direto para uma porta que fica do outro lado. Na porta do céu só chegam aqueles que na Terra foram tementes a Deus ou que cometeram pequenos pecados e pediram perdão. Para o louco, que não se encaixava em nenhum desses casos, existia a categoria dos sem-noção. A estes Deus não criava objeções de entrarem no céu, porque não tinham noções de nada que faziam. Mas o santo explicou que todo aquele que chegava até ali também tinha a opção de escolher a sua morada eterna, no céu ou no inferno. Explicou que está opção democrática foi criada para que o sujeito não se arrependesse depois da sua escolha. Mas se o louco era um sem-noção, como faria então a escolha mais sensata? Ele ganharia um dia de lucidez, para conhecer melhor o céu e o inferno e então escolher a sua morada definitiva. E assim foi feito. O louco, que deixara de ser louco por vinte e quatro horas, seguiu então para a porta do inferno.

Quando lá chegou foi muito bem recebido pelo anfitrião de nome Demo Antônio Carlos Malvadeza, político que fora muito respeitado e temido na Terra. O inferno passava por período eleitoral e ele estava disputando a sua reeleição para o cargo. Quando o louco entrou, o inferno mais parecia mansão de cantor sertanejo: espaçosa, confortável, comidas e bebidas de primeira. Mulheres em microvestidos faziam as honras da casa, oferecendo momentos de muita alegria e prazer.  Ele que era louco (quero dizer, ex-louco por algumas horas), mas não era bobo, aproveitou tudo sem pestanejar. Diante de tudo aquilo, muito feliz, lembrou do amigo lá da Terra que sempre dizia: “Isso tudo é um luxo! É um luxo!”, no que ele concordava plenamente. Depois de tudo aquilo, saiu pelas ruas do inferno para conhecê-lo melhor. Ficou maravilhado com tudo que via. Trânsito perfeito, ruas saneadas, ótimo sinal de wi-fi, árvores frutíferas por todo lado e mais uma vez lembrou de outro amigo da Terra, o Totó, que sempre dizia em tom de brincadeira que em Nova Iguaçu o inferno é mais seguro que o paraíso, em referência ao Inferninho de Morro Agudo e ao bairro Paraíso, na estrada de Madureira. Estava ali divagando quando, de repente, chega ao seu lado outro candidato ao governo do inferno, apertando sua mão. Era Jair Bozo Bolsonaro. Ele toma um susto com a presença do ex-presidente e pergunta estupefato:
– Ué, o senhor também já morreu?
– Não, meu filho, mas estou quase chegando lá. Já estou aqui antecipando a minha candidatura. Por isso, peço seu apoio. Se eu morrer antes da eleição e for eleito, faço de você o meu braço direito aqui no inferno. O louco diz ao político que vai pensar no assunto e segue seu caminho. Mais distante, desdenha da proposta:
– Ora bolas, quando vivo nunca votei nele, não é agora que estou morto que vou fazer essa besteira!

Depois de muito caminhar e conhecer as belezas do inferno, ele nota que o dia está escurecendo e decide que já é hora de partir. Demo Antônio Carlos Malvadeza insiste que ele esqueça disso e fique mais um pouco desfrutando dos prazeres do local. Educadamente, ele declina do convite e segue para a saída. É seguido por uma banda que toca músicas infernais, discursos de agradecimentos e pedidos de “volte sempre”. Quando volta para a porta de céu, encontra ela novamente aberta, escancarada, mas espera pacientemente a volta de São Pedro, que não tarda chegar depois de fazer as suas necessidades celestiais. Quando ele vê o louco, vai logo reclamando:
– Pensei que não voltaria mais! Vamos entrando, vamos entrando, meu rapaz, porque o seu tempo de escolha já está se esgotando.

Ele entra calmamente no céu e responde a São Pedro:
– Não tenho pressa, meu santo. A minha escolha eu já fiz há muito tempo. Quero morar eternamente no céu. Aqui é o meu lugar.

O santo, agindo como um juiz, questionou a sua decisão:
– Tem certeza, meu filho ? Não gostou do inferno? Como pode escolher o céu se você nem mesmo o conhece?

O louco, convicto da sua escolha, responde:
– Não é preciso ter conhecido o céu para saber que ele é melhor que o inferno. Quando lá cheguei, era época de eleição. Fui muito bem recebido e adulado pelo Demo e uma tentadora proposta de seu opositor, que ainda nem morto está. Conheço muito bem essas duas raposas. Se a minha escolha fosse o inferno, depois da eleição eles me mostrariam como é aquele lugar de verdade. Por isso, meu santo, eu sou louco, mas não maluco.

E dando ênfase às palavras, continua:
– Que inferno, que nada! O meu lugar é no céu!

Então segue abraçado a São Pedro para conhecer a sua última morada.