grilo

O grilo da greta

Acordei. Sol maravilhoso lá fora. Banho. Trabalho na espera. Fim do banho. A princípio não percebi, mas aos poucos, enquanto escovava os dentes, começou… Um chirreadozinho, tímido e longe… Mas, obvio, estabeleci que um grilo, agora, dividia a casa comigo!
– Cri, cri, cri!

Não liguei, é claro!… Vou lá ligar para um bicho boêmio daqueles… O dia passou, voltei e, de novo, um banho… Depois do banho, chirriados. Comecei a prestar a atenção. E assim, os dias seguiram e logo após o banho tudo se repetia. E fui acostumando com o inseto.

Sempre pensei em adotar um cachorrinho, tipo número um, pequeno, portátil, tipo chihuahua, que são 50% raiva e 50% pavor. Mas, como viajo muito, não teria onde deixá-lo e, portanto, melhor abandonar a ideia do que o cão, não é? Adotei o grilo!…

Cricri pra cá, cricri pra lá, pensei em um nome para o novo amigo, mas acabou ficando grilo, mesmo. Às vezes, por ser mais acostumado com um nome do que com o outro, acabava o chamando de grelo… Bom!… Mereço compreensão, os dois moram escondidinhos!… Rum!

Passei a “conversar” com o bicho. Descobri que ele só começava a trinar após eu tomar banho. E haja eu:
– Grilo! Cadê você? Fala comigo… Cri (Eu tentava imitar o seu silvo). Nada! Só após o banho! Os grilos, eu soube, são asseados! Daí…

E a nossa conversa era, eu falando, seguido da tal imitação; e ele só no “cri”, mesmo. Eu nunca o via. Morava em uma dessas gretas da laje pré-moldada. Só ouvia o seu chiado. Descobri na rede que na Ásia costuma-se adotar grilos, pois acreditam que trazem alegria e boa sorte, e seu canto é considerado uma excelente música. Descobri também que ter um grilo em casa é um ótimo prenúncio de sorte, prosperidade e fortuna. Acredita-se ainda que, se um grilo canta na sala, é sinal de dinheiro; se um grilo canta na cozinha, é sinal de que mudanças estão por vir; mas se um grilo cantar no quarto é prenúncio de que doenças estão a caminho.

Cheguei a ir à xepa catar restos de folhas para alimentar o meu grilo. Depois do banho, puxei uma conversa com ele:
– Grilo, trouxe umas guloseimas pra você… Estão todas ali na sala, vamos lá comer? – falei sem interesse algum. E ele:
-Cri!

Levei minha cunhada e o meu irmão para “conhecer” o grilo da greta. Claro que os levei depois de um banho, onde o inseto estava chirrearando aos quatro ventos. Eles ouviram minhas informações sobre o mesmo e ela concluiu:
– Acho que esse grilo é gay, só fala contigo quando você está nu!
E o meu irmão:
– Eu deduzi que ele está escondido e só te vê, quando estás diretamente embaixo dele!
– Mas, e os meus chamados, antes do banho?
Os dois:
– Ele deve ser surdo!

Será?!… Teorias à parte, minha afeição pelo bichinho, ou bichinha, se estreitou. Pela manhã, perguntava se tinha tido uma noite boa; Se tinha encontrado alguns amigos para esfregar as asas, juntos. É assim que eles provocam o trinado, a fim de atrair as fêmeas… Digo, os parceiros!… Sei lá, né? Não quero cometer “grilofobia”!

Certa manhã, após o asseio danei a chamar o meu amigo e não houve nenhuma resposta.
Nada! Cri cri, cri cri, oi, oi… Grilo, grilo… Nada!… E qual foi a minha emoção ao ver no chão, atrás de mim, o corpinhozinho do meu amiguinho. Poxa, nem nome eu dei pra ele. Agora estava ali, jazendo naquele chão frio e úmido do banheiro. Juro que me emocionei com o falecimento do inseto. Tadinho! Eles têm uma vida de até seis meses, mas podem gerar inúmeros filhotes, pois as fêmeas colocam até cem ovos por postura. Lamentei sua morte, dizendo umas palavras em “grilês” e desejando que tivesse deixado uma enorme prole, mas, que não fosse na minha casa.

E assim, dentro de uma caixa de fósforos, fiz o funeral do grilo, enterrando-o na terra de um vaso de flores. Coloquei, emocionado, o recipiente sobre o jirau e me despedi do meu amigo. Enquanto jogava uma pá de cal sobre o assunto, matutei como seriam os meus banhos sem aquela conversa desinteressada e informal. Mas, esperem… O que vejo ali no canto do muro?
– Nossa, que barata linda!