O filho de Abel

Meu pai era o irmão mais velho. Seu irmão mais novo, meu tio, eu só vi quando pequeno. Não me lembro bem dele. O meu pai trabalhava muito, passava às vezes vários dias fora de casa e voltava com comida e presentes pra todos. Não era tão presente como pai e carinhoso como a minha mãe. Ele era seco, sem muitas palavras, sem grandes ensinamentos. Nunca soube de que ele vivia até me tornar adolescente. Os pais dos meus amigos na escola tinham empregos, patrões, trabalhavam para empresas ou governo. Já meu pai não tinha nada disso e voltava com dinheiro pra casa. Não tínhamos luxo, nem visitas em casa, nem viagens em família. Nem diálogo em casa.

Um dia no inverno meu pai chegou tarde em casa. Não veio sozinho. Trouxe com ele meu tio, que eu não via desde a infância. Meus irmãos mais novos, com certeza, nem lembravam mais dele. Jantamos e meu pai disse:
Dorme cedo que amanhã vou precisar de você. Fui dormir preocupado, mas era melhor obedecer, ir dormir e estar cedo de pé amanhã.

Acordamos e saímos de casa ainda antes de amanhecer. Entramos de carro em um bairro residencial e paramos bem na reta da porta de uma casa. Meu pai e meu tio saem do carro em direção à casa. Está frio e escuro, todos de casaco pesado. Vejo os dois voltarem com outro homem à frente deles, vestido com roupas de dormir. Jogam o homem no banco traseiro do carro, meu pai liga o carro e saímos apressados. Do banco do carona, tento olhar pro homem, bem agitado. Não é dita uma palavra. Em menos de cinco minutos paramos na rua ao lado do banco, no centro da pequena cidade. Meu pai põe uma pistola em cima do painel e fala com voz firme:

– Senta no banco do motorista. Quando voltarmos, arranca com o carro. Se outra pessoa vier, atira e corre. Entendeu?
Fiquei mudo. Eles foram até o banco, rendendo o homem, que estava agora apavorado.

Sentado no banco do carro, quem estava apavorado agora era eu. Não fazia ideia de que meu pai fosse um assaltante de bancos. O que eu ia dizer quando chegasse em casa e desse de cara com os meus irmãos? “Somos uma família de assaltantes de banco, passa o açúcar?” Não podia sair correndo e nem conseguia ficar calmo. Enquanto ainda estava perdido em culpa, toca o alarme do banco. Meu pai e meu tio aparecem correndo pela esquina. Meu tio com um malote nas mãos. Meu pai dá um puxão no malote. Os dois discutem e meu pai dá dois tiros no peito do meu tio. Sem pestanejar ele vem com o malote pro carro e grita:

– Arranca, arranca! – disse ele.
– Por que você fez isso com meu tio!? – disse eu aos gritos.
– Acelera, garoto. Aquele era seu pai.