As ruas estavam cobertas por um denso nevoeiro. Além do farol, nada se enxergava. O frio era intenso. Havia congelado o aqueduto e o lago. Não havia mais lenha. A comida, escassa. Eu não tinha escolha. Não podia mais sentir meus dedos, minha boca roxeada dava-me a aparência de morto. Mas eu ainda não estava morto. Eu não queria morrer. Não daquela forma. Não naquela noite. Abri a porta abruptamente, num instinto de sobrevivência. O nevoeiro me fez rastejar sobre os paralelepípedos. Fui em direção ao píer. O farol estava abandonado mas, talvez, houvesse madeira que servisse de lenha. Eu não queria morrer naquela noite.
Entrei no farol. Minhas pernas ensanguentadas doíam absurdamente. Rastejar não foi uma escolha. Vi uma lamparina. Acendi. Pela penumbra, olhei ao redor. Surpreendentemente, havia vestígios de que alguém estava ali. Senti um perfume inebriante. Por um momento, esqueci-me da dor. Me sobreveio uma sensação de alívio. Havia outra pessoa no farol. Estava certo que sim. Continuei percorrendo os cômodos. Encontrei uma saleta com as paredes cobertas de peles de animais. Num canto, uma cama. Do lado oposto, um fogareiro acesso. Meu corpo foi aquecendo. Minhas pernas continuavam a sangrar. Desfaleci de dor.
Horas depois, acordei sobressaltado ao sentir uma picada no meu braço. O que você está fazendo? Ela olhou para as minhas pernas que não sangravam mais. Eu estava confuso com tudo aquilo. A saleta, o fogareiro, aquela mulher…A história que se contava era que o faroleiro havia abandonado seu posto, após a trágica morte de sua mulher durante uma tempestade.
Dormi por mais dois dias. Ela havia injetado morfina. Não senti mais dor. As feridas estavam cicatrizando. Entretanto, sentia-me intranquilo. Levantei e fui procurá-la. Queria saber quem era ela. Por que estava lá? Percorri todos os cômodos. Subi até a torre do farol. Ninguém. Um assombro me envolveu enquanto descia as escadas. Voltei à saleta. Nenhum vestígio da cama ou fogareiro. Corri em direção à porta do farol. Não havia mais porta. Nenhuma janela ou passagem. Me sobreveio um desespero. Como eu sairia de lá?
Na manhã seguinte, a mulher tornou a aparecer. Coberta com as peles de animais, me tomou pela mão e me levou até a torre. O denso nevoeiro perdurava. Era a única saída. Saltamos.
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