Pedro Rosado, assim era chamado desde menino por causa da sua pele muito clara, algo que não era comum naquela comunidade, marcadamente negra. Os mais velhos diziam que ele era filho de um mágico alemão que passara um dia com um circo, engravidara sua mãe e depois sumira no mundo, fato nunca confirmado por ela.
Pedro, um gigante de quase dois metros, de grandes olhos azuis, se gabava sempre da sua destreza de caçador. Dizia que, naquele lugar, não existia ninguém melhor que ele nesta arte. Falava isso sempre que bebia umas doses de cana na birosca com os amigos. Muitos duvidam disso, mas como ele era um bom sujeito ninguém o contrariava, para que a paz continuasse reinando, porque como é sabido, bêbado contrariado é certamente motivo de encrenca. Todos que o conheciam há muito tempo sabiam que tudo aquilo que ele falava não passava de bravata, mas quem iria discordar dum gigante daquele?
Este fato se confirmou numa tarde em que chegou o novo padre da paróquia local. Sebastião Palmares ou simplesmente padre Palmares, um negro alto e forte, de voz mansa que impressionou a todos com sua simplicidade. Foi muito bem recibo e cobertos de diversos presentes e desejos de boas vindas, mas antes que alguém o convidasse para um almoço em casa, Pedro Rosado se antecipou, contando a sua destreza de caçador. De tão impressionado que ficou, o padre aceitou de bom grado o convite para ir a sua casa. Marcaram dia e horário e se despediram calorosamente. Quando chegou em casa bem tarde da noite, avisou a sua mulher que no outro dia o novo padre viria para o almoço. Ela muito preocupada, disse ao marido que não tinha nada em casa, a dispensa estava totalmente vazia. Ele a tranquilizou dizendo que logo cedinho seguiria para a mata para capturar algumas caças para a comida.
Quando voltou, duas horas depois, era só desolação, na mão direita trazia uma velha espingarda e na esquerda um bornal de couro com dois pequenos pássaros que não davam para alimentar nem uma boca. Pediu pra mulher dar um jeito, não podia fazer uma desfeita com o santo padre. A mulher inconformada com a situação foi a casa da vizinha contou o seu drama e pediu um pouco de tempero para preparar aquele mixaria de caça trazida pelo marido. Solidária, a vizinha pegou o pouco tempero que tinha e seguiu para a casa da amiga para ajudar a preparar o almoço.
Temperam tão bem a caça, que ela aparentava tamanho maior. Colocaram as aves no forno e em pouco tempo o cheiro tomou conta da casa. Quando finalmente a comida ficou pronta, bem assada e cheirosa, a vizinha não resistiu e pediu para comer só um pedacinho. Foi prontamente atendida pela amiga que também não resistiu e comeu outro pedaço. Entre um assunto e outro se deram conta que já era tarde e só restavam no prato, um pequeno monte de ossos. A mulher de Pedro Rosado entrou em desespero. “E agora o que o padre vai comer? Não restou nada!”
Enquanto pensava nisso, viu o padre apontar no horizonte montado num cavalo. ”Ah, meus Deus, não deixe que meu marido descubra o que aconteceu com o almoço do padre! Tenho que arrumar um jeito para remediar essa situação – disse para si mesma.
Enquanto isso, Pedro Rosado foi ao encontro do padre que apeava do cavalo em seu quintal. Quando entrou na casa foi muito bem recebido pela mulher de Pedro e deu sua benção. Pedro convidou o padre a sentar à mesa e a mulher seguiu para a cozinha para adiantar o almoço. Não demorou muito, voltou com um enorme facão nas mãos e pediu ao marido para trazer alguns cocos no quintal para matar a sede do padre enquanto ela finalizava o almoço. Assim que o marido saiu ela começou a chorar copiosamente, pedindo para o padre ir embora o mais rápido possível, porque o seu marido era um homem muito mau, sempre que convidava alguém para almoçar na sua casa, cortava os ovos do pobre visitante para comer frito com farinha. “É um doente, não tem compaixão de ninguém!” O padre estarrecido com tudo que ouvia, custava acreditar que aquele homem tão gentil, fosse tudo aquilo.
Vendo que pobre padre não estava convencido do que ouvia. Ela deu a sua última cartada:
– O senhor viu aquele facão? Vai ser a arma do crime, é melhor que o senhor parta agora, antes que ele volte. Depois daquilo ele não pagou para ver, agradeceu a bondosa mulher pelo aviso, montou no cavalo e foi embora. Quando o marido voltou com uma penca de cocos, estranhou a ausência do padre e perguntou:
– Mulher, cadê o padre ?
– Foi embora. Disse ela inocentemente.
– E os dois pássaro, mulher ? – perguntou ele.
– Ele levou os dois – respondeu ela.
Muito chateado montou num cavalo, com o facão ainda nas mãos, rangendo os dentes e dizendo intempéries. “Que desgraçado, não deixou nem um, vou atrás desse padre ingrato”.
Depois de algum tempo ao avistar o padre, saiu gritando atrás com o facão na mão. “Padre eu não quero os dois, só quero um”. O padre desesperado olha para os seus ovos, forçando o cavalo a correr cada vez mais, sumindo no horizonte.
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