Hoje vou me aventurar praquelas bandas. Não é por nada… O pessoal até me avisou que é uma área meio pesada. Mas, preciso conhecer o centro da cidade, uma vez que sempre perambulei no arrabalde… E isso não está me fazendo muito bem, desde que perdi o meu amigo Bilu, um mestiço de poodle com vira-latas. Preto, de pelagem “anelada”. Assassinado! Isso me doeu muito. Tenho certeza que foi o dono do açougue. Não sou de ficar por muito tempo em um determinado lugar, entretanto, no bairro da “Bica” o povo era muito emporcalhado, e as ruas eram muito sujas. Eram. Até eu chegar. Juntei as latinhas, plásticos e outros luxos. Tinha muito dinheiro jogado fora ali. Ainda bem. O pobre joga dinheiro fora, indiscriminadamente. Na Bica ganhei muitos trocados, deu até pra comprar uma camisa e uma bermuda em um brechó. Ah, também comprei um cobertor pra nós e uma camiseta para o Bilu.
Não almoçamos em restaurantes ou pensões, mas comemos razoavelmente legal! No entanto, o Bilu insistia em adentrar o açougue do bairro. Quase sempre era expulso ao som do tinir de facas e facões. Ele voltava, discretíssimo. Era expulso de novo. Voltava! Eu, atarefado em selecionar os meus achados, o via de longe ser expulso e voltar… Expulso e voltar! Chamava-o e ele vinha “sorrindo” e abanando a cauda.
– Bilu, fica aqui, Bilu, a gente já almoçou… Te aquieta!
Ele ficava… Para me agradar. Rodeava, deitava e me embaçava… E de novo eu ouvia o retinir dos facões. Era ele, no seu… Acho que… Divertimento!
Um belo dia, os ressoares e a balburdia… E lá vinha o Bilu, acelerado, em minha direção… Desta vez trazia algo na boca… Caraca, era uma enorme posta de alcatra. Não perdi tempo, deixei a loja aberta e passei sebo nas canelas. Ó, é por aqui! Eu na frente e Bilu logo atrás de mim com um monte de gente do açougue atrás de nós. Sumimos dali por uns dias, para o bairro ao lado, e explico o porquê. Não adiantaria tentar devolver, diriam que o Bilu já tinha babado na alcatra. Naquele dia até jantamos… Carne assada!
Ah, outra coisas que preciso explicar… Falei que deixara a loja aberta… Na verdade, não era uma loja, era um prédio abandonado onde eu e Bilu passávamos as noites, ele contando estrelas e eu causos de minha vida. No lixo achei alguns móveis que dei uma arrumada com um pouco de verniz, que também achei, e um pincel feito de espuma. Assim, expus uns quatro desses e algumas quinquilharias. E compravam! Barato, mas compravam. Ali era a minha loja.
Tivemos que voltar àquele espaço. Em vão! Haviam tacado fogo na minha mercadoria. Tentei arrumar, mas foi perda total. Total, mesmo, pois até o Bilu no dia seguinte se foi… Amanheceu vomitando sangue. Não soube o que fazer. Uma senhora acudiu e me deu um remédio veterinário, mas inutilmente.
Aí segui em direção ao centro, empurrando o meu enferrujado carrinho de supermercado, com o coração estreito, sentindo a falta do Bilu, meu cãozinho traquinas. Gosto de ler… E de escrever… Um dia escreverei uma estória sobre o Bilu, intitulado “O Pequeno Bilu” que, por seus arrebatamentos, morará à beira de um vulcão… E por ser deveras amoroso cuidará de uma rosa, a LuaFlor… Ops! Qualquer semelhança que eu “cometa” será mera coincidência!
Já estou perto do centro. Acampei em uma rua próxima de um grande cruzamento onde dizem que travestis fazem ponto diuturnamente. Atino que é ali que dizem ser “barra”! Daqui dá pra sondar se fiz a escolha certa. Essa rua é bem transitada e há dois açougues ao longo do quarteirão… Fazem-me lembrar do meu irmão Bilu… Só que aqui é coisa chic… As carnes ficam dentro de redomas refrigeradas… E em determinado momento do dia um dos açougueiros joga algumas pontas para uma canzoada que aparece religiosamente. O Bilu iria adorar!
Meio afastado deles, percebi um cãozinho que parece não gostar dessa disputa. Ele vem, mas não se mete. Às vezes, o açougueiro o percebe e atira um naco mais à distância que ele apanha, lépido, e dispara em direção ao cruzamento, muitas vezes perseguidos pela matilha que apenas o expulsa dali. A cor dele é caramelo, vou chama-lo assim. Ele será o meu novo amigo, preciso de um pra contar a estória do Bilu.
Hoje há uma agitação atípica na rua do cruzamento, vejo daqui. Soube que houve o assassinato de um de seus frequentadores. Há muita correria, sirenes, carros de polícia passando. Percebi que o Caramelo não gosta de agitamento e deve vir pra cá. Deu pra comprar um pequeno frango assado, que almocei e jantei. Deixei os ossos do peito aqui próximo. Ó, lá vem ele ali.
– Caramelo!
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