No bairro, todos se conheciam. A nova vizinhança era bem recebida pelos moradores antigos e as crianças, as melhores anfitriãs, sempre se reuniam para brincar. Naquele dia, era para ser apenas mais um de algazarras, mas até agora não sabemos o paradeiro de Dorinha.
Nas brincadeiras de pique, nos esmerávamos para não sermos pegos ou descobertos em nossos esconderijos e, não víamos perigo em nada e talvez por este motivo ela tenha se afastado tanto e não tenhamos percebido a tempo. Já estava escurecendo quando nossas mães começaram a nos chamar para entrarmos em casa. Foi então que começamos a alardear o sumiço de nossa amiguinha. Tão bonita, ela. E dócil também.
Começaram as buscas. De fato, alguns relatos constataram a presença de um homem suspeito, com características tais, que a mãe de Dorinha enrijeceu: parecia a descrição de seu ex-marido, pai da menina. Passaram-se os dias, porém, todos os esforços para capturar o sequestrador e libertar a menina, caso ainda estivesse viva, foram em vão.
A mãe de Dorinha tinha a marca em seu semblante da dor, desde que o ex-marido a golpeara no rosto com uma faca, inconformado com o fim do relacionamento. Ele a perseguia obsessivamente, fazendo com que, habitualmente, tivessem, mãe e filha, que mudar de endereço. Porém, por mais que ela tentasse fugir de seu algoz, não conseguira proteger sua filha desse mal (infligido à mulher) que se perpetua desde tempos ancestrais: a violência. Esta, que afastou seu olhar para bem longe e escondeu, desde então, o seu sorriso.
Lembro agora desse fato, como se um filme passando em minha mente, pois daqui do balcão do bistrô em que parei para um café, vejo que passa na televisão uma matéria que parece vir revirar o “Caso Dorinha”. Mas, não só isso, ressoou no exato momento da notícia um estrondoso barulho de bandeja caindo e quebrando louças. Somente aí, a mulher que servia no estabelecimento perdeu sua invisibilidade, e percebi que ela trazia no rosto uma cicatriz.
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