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O canto da sereia

Havia dias que Iara poderia ficar horas e horas com o olhar fixo. Era o fascínio das imagens reais e virtuais que lhe entretinha. 

Seu dia preferido era terça. Nessa data podia ir visitar o museu de graça. Saia da escola e ia caminhando uns vinte minutos, até chegar. Já conhecia o vigilante, que às vezes até lhe guardava um lanchinho, para comer antes de voltar para casa. A caminhada para casa durava mais uns vinte minutos, isso se andasse bem. Mantinha essa meta pessoal, pois se sentia na obrigação de não fazer menos, pois seus ancestrais caminhavam muito mais e sem demonstração de cansaço. Atualmente se inspirava em Lorena Ramírez. Entretanto, eles usam as medicinas, como mambe, coca e alimentação saudável, não, pão com margarina e biscoitos de água e sal. Então, até que tava bem. Esse era o seu sagrado ritual de toda terça.

Sentia-se conectada com aqueles colares, rochas, penas e madeiras. Era uma energia de que ali era o seu lugar. Um sentimento que não sabia explicar. A mesma sensação de quando mergulhava nas águas correntes do rio que ficava perto da casa da tia. Uma pena os pais demorarem tanto a levá-la ao sítio. Debaixo d’água o tempo parava, era o seu domínio, isso era certo. A sereia metade mulher, metade peixe. Uma parda de dupla identidade, a da vida urbana de pele morena, e a mística quando se conectava com a natureza e os elementos. Afinal, esse era o seu dilema: como expor ao mundo essa sereia? Como mostrar quem realmente era e seus encantamentos para o mundo? Nem percebeu que estava indo embora nessa divagação. Só quando foi acordada pela música, o canto da sereia, e despertou de seu déjà vu com a resposta que tanto buscava: sua voz!