Astronauta

No útero de Deus

Na sua frente, apenas a morte e estrelas muito, muito distantes. Muito distantes, principalmente porque você sabe que em alguns segundos vai morrer.

Marco Antonio tinha entrado nessa missão casualmente. Bom, não foi bem isso. Há alguns anos seu irmão gêmeo havia entrado no programa espacial dos Estados Unidos, pois crescera naquele país. Com a separação dos pais, seguiu com o genitor. Mãe e pai se davam bem, trocavam mensagens, visitavam um ao outro. Assim, Marco e Antonio Marcos cresceram. Podiam até se dar ao desfrute de passar temporadas invertidos, um na casa da mãe e outro na casa do pai. Para o mundo, cada genitor tinha apenas um filho.

Agora ele estava lá, perdido, olhando o infinito ao seu derredor. Não estava sentindo o corpo, pois o mesmo está muito mais leve. Seus olhos estavam ficando secos e o ar rarescendo. Isso seria bom se estivesse apaixonado, mas péssimo quando você está no espaço e um fragmento minúsculo de lixo espacial beliscou o seu traje.

Queriam ter até a mesma impressão digital. Conquistariam o mundo. Mas, isso é impossível, dado que nem mesmo os clones poderão tê-las. Mesmo gêmeos univitelinos, cada um, ficam em posições ligeiramente diferentes, no útero da mãe, e a chave está no contato dos dedos feitos com o ambiente intrauterino.

A contagem regressiva se deu e a nave cósmica singrou o ventre do universo. Cinco tripulantes, Carl, norte-americano; Jessie, de Johanesburgo; Pavenko, russo; Paola, italiana e, ele, Marco, brasileiro, naturalizado norte americano. Ele, não, o irmão; Ao se distanciarem cento e vinte quilômetros do planeta, uma pane tomou conta de toda a espaçonave que parecia estar se desintegrando; tremedeira total, luzes piscando, aparelhos enlouquecidos e a comunicação com a terra em mute total. Estavam atravessando o AMAS, Anomalia Magnética da América do Sul, região de mínima intensidade do campo magnético da Terra.

O irmão, Antonio, sofrera um acidente automobilístico, às vésperas de se apresentar para a viagem de investigação ao “Oumumua”. Como a família estava ansiosa por essa expedição ao espaço decidiram apresentar o acidentado como o irmão gêmeo, já que estava no país para acompanhar a viagem do irmão e para se divertir na Disney.

Na superfície da Terra, os nossos corpos suam e refrescam o nosso sistema. Com o decorrer do tempo, o suor evapora, absorvendo calor no processo. No espaço o procedimento de evaporação de qualquer líquido é muito rápido. Assim, seus olhos, sua boca e sua garganta secam, contudo, você não morrer congelado imediatamente. Apesar das temperaturas espaciais serem extremamente baixas, o calor não deixa o corpo com suficiente rapidez para que você congele… Antes de sufocar.

Um corpo celeste que atravessara o sistema solar com características de cometa e asteroide. Quando os cientistas o viram pela primeira vez, não identificaram sua cauda, que fosse uma poeira de gelo, comum aos cometas, daí a dúvida dessa comunidade. O objeto interestelar em forma de “charuto” foi batizado pelos astrônomos de ‘Oumuamua”, e continuava surpreendendo. Uma missão foi escalada às pressas para ir investiga-lo. Seu nome, em havaiano, significa “mensageiro de muito longe que chega primeiro”.

O sistema bipou várias vezes, sempre que Marco passava por alguma porta dos acessos aos tripulantes, mas os mesmos tinham trocados informações anteriormente e estavam certos de quem eram. A missão “Meanoï” seria apenas ir investigar o astro viandante e voltar. Coisa bem corriqueira para os dias atuais.

A Terra é envolta em um campo magnético que nos protege de tudo o que vem do espaço. Esse campo é gerado na alma líquida da Terra, a milhares de quilômetros de profundidade. O núcleo é formado, basicamente, por ferro e níquel. As condições do local, onde a temperatura e a pressão são altíssimas, geram uma grande quantidade de elétrons livres que circulam constantemente. O movimento desses elétrons motiva uma corrente elétrica e essa corrente gera o campo magnético. Ignorá-lo pode ser fatal. Em 2016, um satélite japonês – o poderoso Hitomi, projetado para estudar buracos negros e aglomerados de galáxias – entrou nela desavisado e pagou por isso: sofreu uma pane e se despedaçou, para desespero dos astrônomos japoneses.

Em órbita e estagnados não puderam se livrar de uma nuvem de lixo espacial: fragmento de naves e de satélites artificiais, parafusos e até ferramentas perdidas. Não muito tecnológico, de conhecimentos nivelados, avaliaram, sem comunicação com a Terra, fizeram um sorteio aleatório e sobrou para Marco. Pensou em se entregar, mas ponderou na família, orgulhosa. Afinal era só reconectar um cabo. Fácil. Melhor que na Disney!

Agora, atingido por um grão estelar… Suspirou. Sentia o vácuo invadir. O vácuo não é seguro. Estava a dois metros do cabo, parecia um quilometro. Cada miligrama de oxigênio expelido sentia a consciência fugir. Um metro! Olhou para a janela da cabine e os dois rapazes e as duas moças o incentivavam. Seu sangue parecia querer ferver, sentia febre, ânsia de vômito… Vomitou! Borrou a viseira do capacete. Faltavam apenas alguns centímetros. O coração a mil. Balançou a cabeça fortemente, mas, apenas um leve maneio se deu. Olhou, novamente, para janela. O quarteto parecia operar sua mão. Tentava conectar, como se tenta colocar o fio do recarregador no celular. Parecia em vão. Tontura. A nave estava rondando freneticamente em sua volta. O espaço girava com as estrelas, vindo em sua direção. Sentiu a espaçonave se esvanecer de perto dele.

– Antonio!… Antonio! – Ele abre os olhos e vê Jessie, ainda desfocada. – Você conseguiu! Nasceu de novo!