Flor recém-desabrochada, suave. Seminua sobre os alvos lençóis e recostada em travesseiros grosseiros, cheirando a sabão em pedra. Uma fresta na porta me permitia observar o que ocorria em seu quarto, que resvalava o meu, e que, ao meio dia, já escurecia como tarde caída. Assim, à meia luz, seus cabelos negros eram estrela cadente ao alcance da mão. Eu sabia que era bonita, mas ela nunca havia se aproximado tanto da figura de um anjo, guardião de tanta paz.
Seus pés eram pequenos e avermelhados, revelados pela pouca roupa de cama. Sua boca tão silenciosa e pálida me deteve em seus contornos por alguns instantes. Eu agora me prostrava diante da porta e daquele altar que me oferecia como objeto de adoração uma criança esguia e solitária e de pele bronzeada e de uma altivez que a coroava como superior a todas as outras.
Iluminada somente pelo pequeno abajour, era a serenidade em dourado. Não podia me ver. Ali entre a escrivaninha, dois velhos bancos, um pequeno guarda roupa e um criado mudo, só ela era dia completo. Fechei os olhos por uns instantes, na esperança de adentrar seu quarto e ultrapassar a barreira da grosseira porta. Duas peças de roupas jogadas ao chão, que pareciam ainda quentes, exalavam o perfume da menina que se pretendia mulher.
Ao perceber a agitação das pessoas que começavam a entrar no quarto, encolhi-me todo, escondendo minha presença e meu interesse, embora eles fossem imperceptíveis a quem chegava. O perfume natural da moça logo deu lugar ao cheiro de incenso e de parafina das poucas velas acessas. Extasiado, permaneci imóvel até que o corpo fosse levado por três familiares e um bombeiro ao lugar do velório. A moça, tão jovem, permaneceu delicada e estática por muitos dias, nas minhas retinas que até então, não sabiam o que era ver Deus.
Deixe uma resposta