Fenestrebaldo abriu a portinhola, fechou a porta e sentou. Uma pequena lâmpada no teto piscando chamou sua atenção. A seu lado direito, uma janelinha de correr abriu-se:
− Bom dia, meu filho – Cumprimentou o padre.
− Padre, eu pequei.
− Diga, meu filho.
− Eu trabalho na companhia de energia elétrica, o senhor sabe? Sou engenheiro projetista e há anos vimos sofrendo com os furtos de cabos e de energia. Então, eu tive a ideia de trazer para baixo os fios de alta tensão. O que tem morrido de gente fazendo gato não tá no gibi.
− Que maldade, meu filho! Aquele rapaz que ficou pendurado no poste aqui perto esses dias?
− Sim, padre. Culpa minha. O bairro ficou sem luz três dias. Uma senhora que sobrevivia por aparelhos em casa também morreu.
− Estragou tudo na geladeira da paróquia. Não vai mais ter festa junina. Na melhor das hipóteses, será uma festa julina, mas estou mais para acreditar em festa agostina. Não é fácil acumular tanta doação pra uma festa desse porte.
− O senhor ficou chateado?
− Entristecido é a definição. Sem a festa, não tem quermesse; sem quermesse, não vai ter arrecadação de fundos para as obras de inverno da igreja; sem as obras de inverno, a igreja vai prosseguir com as goteiras das chuvas de verão… e ainda perdemos toda a produção do mês do sorvete de Jesus. Temos uma sorveteria nos fundos da paróquia, sabe?
− Pois é. A companhia identificou que havia um consumo muito alto de energia clandestina, o senhor sabe? Furto de luz, como o povo diz.
− Entendo.
− Então, a ideia de trocar a posição dos cabos foi uma maneira de descobrir onde estavam os gatos.
− Mas morreram algumas pessoas.
− É. Ossos do ofício. Mas me sinto mal por isso.
− E veio aqui se confessar e pedir perdão?
− Não. Vim pra cortar a luz da igreja e denunciar o senhor. A polícia tá lá fora lhe esperando. Mas se quiser me perdoar, agradeço.
− Filho da…
Fenestrebaldo ouviu uma porta abrir-se e em seguida os passos apressados do padre fugindo. Também ouviu uns gritos de “para, é a polícia!” e “pega ele!”
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