A casa ficava no bairro afastado dos Congós, onde uma morada distancia, pelo menos, meio quilômetro da outra. Era de um modelo antigo, um tesouro perdido, na verdade, por detrás da fachada desgastada. Tinha tudo para uma reforma à altura e manter a linha vintage, tão decantada nos dias atuais. Possuía um delicioso alpendre onde o minuano te afaga o rosto e o muro baixo te deixa ver o lago construído pelo seu Anacleto, um antigo paisagista, amigo da família, que também criou o jardim e a cerca com sebe que contornava toda a morada.
Mas, apesar de tudo, não quero falar da casa. Maravilhosa, afastada, ótima para a inspiração de qualquer poeta, escritor, ou algo que o valha. Quero falar de sua primeira proprietária, dona Joana Carvalhais de Guimarães Albuquerque, mais conhecida como Dona Ju. Ganhou aquela casa quando casou com o senhor Apolinário da Silva Santos de Guimarães, um conceituado estafeta dos correios e telégrafos, que a construiu. Ali foram felizes. A sua moda. Ele também a presenteou com uma esmerada cadeira de balanço que foi colocada na varanda, de onde, sempre, ela esperava e o via voltar. Em suas entregas de encomendas pelo estado e arredores, Poli chegou a seduzir belas moçoilas que o viam como um príncipe, em seu empertigado uniforme, montado em seu corcel de pelagem alazã.
Contam as histórias que o Poli trocava os seus dengos com as moças, moçoilas e, até, senhoras da alta, por joias, pedras e ouro com os quais cobria a esposa. E que fazia questão que ela se deitasse totalmente desnuda na imensa cama, coberta apenas por cetim vermelho, quando então ele a banhava com os lucros da viagem, que, muitas vezes, demorava dias. Outros dizem que a Ju, da época, também não perdia tempo, e desgastava sua formosura com belos rapazes que a visitavam sempre que Poli viandava pelo mundo. Nunca sem voltarem alguns quilos mais magros em seus bolsos e malas. Outros, mais ferinos, apregoam que a casa vivia em festas em homenagens ao deus Baco, regado, sempre a um bom vinho, acompanhado daqueles rituais pertinentes a Dionísio, com prioridade ao excesso de euforia, muitas vezes permitido louvores ao filósofo francês François de Sade.
Libertinagens à parte, um dia Poli se foi pra nunca mais voltar. A formosa Ju se tornou dona Ju ali. Prostrada. Balançando-se, chorando e esperando o seu amor voltar. Dia após dia. Definhou. É verdade que tentaram lhe socorrer, mas em vão. Não comia, não bebia… Nem nada! Só chorava! Ela e a cadeira se fundiram. Sempre balançando, sempre balançando… Balançando!
Bom, a casa fora vendida e revendida, doada, herdada… E a cadeira lá. Intocável, sempre lá. Ninguém ousava mexer na mesma, ou trocar de lugar… E se pensava, encarava a dita e algo o fazia demover da ideia. Marco e Sara se casaram recentemente. Ela recebera a morada de sua prima, que herdara do pai. Helena não queria que a invadissem e confiou a ela. O marido trabalhava na rede mundial de computadores e não se importava com o afastamento. Lá tinha internet. Foi uma semana de amor maravilhosa. O último morador tinha inserido a modernidade e todas suas maravilhas, mas mantido o glamour das janelas, portas e portais, como outrora. A enorme cama com dossel, agora chamada de “king”, estava renovada, mas mantinha sua austeridade. Havia um clima naquela casa, que todos que passaram por ali compartilharam. Um lugar sagrado, tal uma igreja, onde por mais que queiramos, mantemos nossa compostura ao adentrar.
Só que não!… Passada uma semana, não mais. Sara começou a ouvir coisas. Sussurros, pareciam. Marco, não!
-Amor?!… Está ouvindo?
-… Não!…
E mais. Aos poucos ele foi se afastando dela, ela pensava. E outra… Adorava colocar o notebook ao colo, sentado naquela cadeira!
Foi quando descobriu… À noite, ele a possuiu como há muito não fazia… E foram dormir. Dormitando, ela ouviu os murmúrios, de novo, como sempre estivera a ouvir. Levantou sem acordá-lo e caminhou pé ante pé até a janela. E viu!… A lua cheia iluminava todo o quintal. Mas, não havia qualquer vento, e, no entanto, a cadeira estava lá… Balançando e vagindo… Um frio de outro mundo lhe percorreu a espinha. Tomou coragem e resolveu ir até a varanda. Abriu a porta sorrateiramente e encarou a cadeira frígida, agora totalmente estática. Ela, com toda sua epiderme eriçada. Foi então que sentiu uma presença… Algo lhe rondava. Continuava arrepiada. Apavorada, resolveu olhar atrás de si, onde a porta continuava aberta. “Deve ser o Marco”, pensou. Não era. Voltou e seguiu para a cama. Agora ouviu o tremular das folhas, havia um vento forte lá fora… O vagido, o lamento e a lamúria, agora estavam mesclados a risadas e gemidos de prazer, urros e sussurros advindos de uma orgia… No além!
Acordou de sobressalto. O sol penetrou túrgido pelas cortinas, queimando lhe o rosto e a fazendo levantar. Ouviu vozes. Parecia ser Marco e uma mulher. Seguiu até a varanda. Lá estava ele, notebook ao colo, sentado na cadeira de balanço. E não havia mais ninguém… Nem mesmo o celular, com ele.
– Oi, amor! Já preparei o nosso café! – sorriu, apresentando a mesa posta.
O dia passou com celeridade, porém, normalmente. À tarde, ele disse que precisava ir ao comércio mais próximo, comprar duas garrafas de Cabernet Sauvignon para brindarem à noite. Ele saiu. Ela pegou um livro e foi ler na cama. Como não percebemos, pegou no sono. Ao longe, sinos, um tilintar de mensageiro do vento, risadas e vagidos, enfim. Acordou de súbito, suada, muito suada, E a cadeira estava ao lado da cama. Balançando e rangendo.
Tomou um susto e acordou de novo. Tivera um pesadelo.
Foi tomar um banho e se perfumar para aguardar o amado que estava para chegar. Arrumou os cabelos, vestiu uma lingerie vermelha, que ele adorava despi-la. Cobriu com um penhoar masala e se dirigiu à varanda. Sentou-se, banhando-se com o minuano que acariciava sua delicada pele, fechou os olhos e sorriu… Logo ele chegaria.
Pronto! Lá vinha ele, que a viu, como sempre a esperar-lhe em sua cadeira de balanço. De cima de sua montaria ele a acenou, com um brilho no olhar e sorriso maravilhoso nos lábios!
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