Na festa de aniversário da sogra (no convite estava escrito as palavras roupa de gala), com o salão elegante e cheio, numa casa de festas com estilo barroco, onde o salão brilhava com o piso de límpido de mármore branco. As vestimentas elegantes sobressaiam: eles de terno negro e smoking e elas de vestidos longos de cores salientes. Exceto pela sogra, todos usavam máscaras.
A sogra olhou atenta ao prato do olho de sogra. Cada doce sugerira um olhar diferente. Uns pareciam felizes, outros tristes e outros sugeriam um olhar perverso; um olhar de vingança. Deu um sorriso entre o macabro e o sarcástico ao encarar a bandeja de doces, pois conhecia aquelas guloseimas com a palma da mão, já que ela própria tinha preparado os ingredientes secretos para aquela festa. Sabia que o genro adorava o doce. Pegou o prato e foi servir ao genro e aos seus familiares. Foi teatral em sua generosa servidão ao mostrar o prato ao genro e demais familiares, tal como uma garçonete num restaurante de beira de estrada. Todos aceitaram o docinho inocente, e “mandaram pra dentro”, sem cerimônias. A sogra serpenteou por entre os convidados, exalando um odor hipnotizante do docinho e os convidados, inebriados pelo olho de sogra, deglutiram rapidamente. A música calma, uma bossa nova, embalava aos convivas que, inicialmente, falavam sobre amenidades cotidianas.
Aos poucos, o som emitido por aquelas bocas nervosas começaram a se elevar e, dentro em pouco, ficou difícil entender com clareza a fala emitida, mesmo numa pequena roda de amigos. Os sons emitidos se situavam entre o som dos ébrios. Frases atrapalhadas, onde as regras da lógica ortográfica se perdiam. Mal se conseguia compreender uma pequena frase. Os olhos dos convidados ficaram avermelhados e, logo após, começaram a surgir risadas vindas do nada. As risadas foram se tornando mais e mais intensas, contaminando os convidados, que começaram a perder toda a compostura: a reverência foi atropelada pela irreverência e a loucura começou a tomar conta do ambiente. A música de bossa nova tornou-se um rock and roll pesado. No início, começaram a se empurrar e a se agarrar sem qualquer pudor e, daqui a pouco, num frenesi enlouquecedor, passaram a rasgar a roupa uns dos outros até ficarem nus, onde que o grande bacanal se instalou entre os convidados. Não se entendia o desenho das artes corporais que compunham o todo. Um frenesi de vibrações, gritos, gemidos, babas e salivas dominava o ambiente. A sogra aniversariante velhaca olhava pelo alto, postada sobre a escada em caracol, o panorama daquele campo de guerra e com os braços cruzados e nariz empinado saboreava impávida como uma rainha do século XVII aqueles corpos em luta luxuriante dominados pelo desejo carnal. Aos poucos, a exaustão tomou conta dos gladiadores e gladiadoras que foram lentamente se prostrando diante dos seus corpos estafados e moribundos. Um odor forte como o cio das bestas se dissipou no ambiente, sobrando ao fim, o som rouco dos sonos profundos e abissais. A sogra desceu as escadas, chegou ao chão no salão e circundou aquela massa de gente derrotada pelo cio satisfeito. Era uma sogra muito conservadora, religiosa aos extremos, que acreditava na perfeição absoluta do ser humano. Seu experimento tinha surtido efeito. Havia comprovado as fraquezas humanas, através de um pequeno doce celestial, que distribuída em suas bocas inocentes levara os convidados ao inferno carnal. No fim, espalhou gasolina sobre os corpos inertes e o fogo purificador ardeu até os últimos pecados. As máscaras presas aos rostos, por fim queimadas, revelaram suas identidades. Seus olhos de sogra viram com prazer invejoso as agonias dos participantes em brasas e, como um mártir falso, uniu-se aos outros nas chamas derradeiras. Seu último grito (que ninguém escutou exceto Deus), foi perguntando:
– Por que não lhe desejaram tanto assim?
Engolfados pelo calor insuportável da ausência de respostas. seus olhos derreteram, deixando um par de cascas de ameixa negra fumegante e disforme no piso do salão branco de mármore. Eram dois olhos vazios de sementes.
Uma sogra que promove um bacanal Apocalíptico é inusitado, onde Deus e Diabo são os ingredientes do docinho. Maravilha de Conto. Parabéns.
Um texto que gostei muito 👏👏👏