[Readaptado do conto de mesmo nome inicialmente publicado no livro Oscilações da autora.]
Desde que chegou de mudança, o novo vizinho não fazia aparição. Sem nenhum estardalhaço, descarregou o caminhão.
Por um bom tempo não se via nenhuma movimentação. Até que um dia o esquisitão saiu pra comprar pão. Aquela figura esquálida, sem cor como se não tivesse sangue e com cara de poucos amigos, deu mostra de ser um simples mortal e que tinha fome. Comprou pão, e era manhãzinha, prova de que luz do dia não o afligia. E não comprou só isso. Comprou jornal. Não queria só comer, queria informação. A moça do balcão, sentiu o arranhar de unhas em sua mão, seu sangue esquentou quando ele a tocou ao pagar o seu quinhão. Ele além de fome, queria informação e tinha dinheiro para circulação. Ela num arrepio, deu-lhe o troco e um olhar de emoção.
Noutro dia, um pedinte bateu em seu portão. Sem que ninguém aparecesse, abriu-se um vão. Nenhuma pessoa o atendera, mas veio-lhe um cão, que por um corredor adentrou os fundos do casarão. O vizinho deu-lhe trabalho, ao invés de compaixão. Havia mato pra capinar e trabalho de artesão. O pedinte renovado deu seu sangue por aquele trabalho, transformou-se em contratado e logo deu ao contratante demonstração de respeito e admiração.
A moça do balcão acertou seu coração e a ele fazia entregas, pessoalmente: entregas de pão. “Pão-pão, queijo-queijo”, pão-pão, beijo-beijo! E, então, veio a união. E, também, a explicação, porque em breve os “repórteres” de plantão, espalharam o noticiário que envolvia o esquisitão. Sua aparência esquálida, sua cor fantasmagórica e sua clausura, que atiçava o imaginário da vizinhança era só por conta de seu trabalho, que exigia aquela distância. Direto no computador e servido de toda modernidade ele quase não saía às ruas, para nossa curiosidade. Mas, aos poucos, e aos cuidados daquela que lhe queria, abriu a casa à claridade e já até sorria.
Dizem as más línguas, que agora é que o terror começaria…
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