Foi a partir da segunda semana de nossas audições que ela me prometera que faria uma performance exclusiva pra mim, algo como uma espécie de “stripdance” dos meus sonhos. Disse-me assim: – Ó mio Mário! Solfejes apenas uns lá-lá-lás perfeitos e me faças orgulhosa, então verás os meus verdadeiros demônios… E lá estávamos: ela personificando uma ibérica e impenetrável matrona clássica e eu embutido num ingênuo, porém esmerado e apaixonado, pintor de afrescos… E foi assim que, naquele belo dia me vi diante da minha professora baiana/ucraniana de canto lírico, peladona.
Nem me lembro do porque fazer aulas de canto, mas lá estava eu diante dela. Aquilo já ia completar três semanas, todos os dias de segunda a segunda, sempre das 12 às 14… ♪Lálálá-lá, lá, lá… lá-lá-lá lálálá♪…
“Para! Como assim? Que porra de conversinha é essa?”
Ok, explico melhor… Bem, do nada, achei de ser necessário na minha vida que eu fizesse impostação de voz e cantasse algo próximo a uma ópera de Puccini. É óbvio que isso não daria em nada; de eu me tornar um tenor da noite pro dia?… Como? E… Pra quê?! Decidi assim, isso, isso e pronto. Então, alguém havia me falado sobre uma nova moradora no prédio, seria tipo uma refugiada de guerra e que era excelente no contralto, soprano e coisa e tal. Estávamos todos passando por uma fase, sabe como é que é né (?), com a pandemia aqui, a guerra lá! E fui lá conhecê-la. ♪Ding-dong♪ E, foi só ela abrir a porta que fiquei de cara tão impressionado e comovido com aquela figura, diria que, super exótica: alta, voluptuosa, poderosamente nórdica e, também… tão tropical; sua longa cabeleira ruiva e encaracolada contrastando e emoldurando a tez amorenada. Petrifiquei. Virei logo seu maior fã…
Ela, a minha professora de canto lírico, possuía uma entonação vocal de desafiar os anjos. Veio lá de Kiev, fugindo da guerra, embora fosse baiana de nascença – vai entender os tais desígnios do destino, uma baiana criada na Ucrânia surgir logo aqui na Baixada e na minha vida, só pra me ensinar o canto lírico – é mesmo coisa de endoidecer. Então, fazer o quê? Devia eu estar mesmo predestinado a conhecê-la. Não há outra explicação para esta minha inusitada vontade de cantarolar uma ópera ao estilo de Tosca, ou coisa que valha! Só me cabia, então, realizar a tal proeza, fazer um cover do Pavarotti…
Creia-me, senti algo me incorporar naquele momento crucial e consegui sustentar um vozeirão lá em cima. Isso em pelo menos dois atos… e aquilo mexeu comigo e, também, com ela… Ela, então, se apoderou de vez, passando a fazer um dueto comigo e já dando início ao prometido strip, despindo-se enquanto semitonava seus lá-lás preferidos; primeiro vi lhe cair a tal peruca ruiva – e lhe revelar uma bela careca – depois, ela foi tirando as roupas sobrepostas, uma a uma, enquanto emitia acordes que faziam estremecer as paredes e tilintar as louças. Aquilo me tocou tão fundo na alma que fui me despindo junto e logo ficamos nus; eu, totalmente excitado, solfejei uma quase ária; ela então, naquele ato do crescendo, fizera uma espécie de balé, misto de plié com samba e de várias transcendências… Cri, então, faltar muito pouco para o gran finale… Eis que ela se vira de costas, toda se rebolando e, aos trejeitos e maneios sensuais, mostra-me uma espécie de zíper colado na base da nuca e solfeja em alto e bom som: ♪Abra-me toda♪. Trêmulo de horrores, tensões e tesões acumuladas, em posse da alça metálica, passo a lhe abrir inteira, ouvindo e sentindo a vibração do deslizar e do correr contínuo do fecho ecler sobre a sua pele macia que vai se abrindo inteiramente, de cabo a rabo, e a vi despencando lentamente, revelando, por debaixo, outra pele, um pouco menor e ali, na nuca, mais um zíper… Abri-o; depois outro por baixo e mais outro; e as peles foram se amontoando aos meus pés, uma a uma, enquanto a sua voz parecia também fluir num descendo, até que lhe soprasse um suspirinho fraco e sobrasse apenas uma pequenina boneca de pano ali sobre as minhas mãos trêmulas; a minha figura flácida e a minha voz numa tosca imitação do trinado do Bob Esponja… Nas costas da boneca liam-se inscrições em vários idiomas, das quais identifiquei: “Made in China”.
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