sexo na escada

Indiferença

Ela está terminando de pôr o sutiã. Eu, sentado dois degraus abaixo, penso no estado de saúde do meu pai. Acho que meu velho precisa de um vereador pra marcar consulta. Descobrir o que tem na barriga dele. Mas quando ela pega o short, não consigo me concentrar na enfermidade do meu pai. É espetacular vê-la se vestindo. É melhor que tirando a roupa. Na hora de pôr o short jeans, ela faz movimentos com o quadril, para que o tecido justo entre pelas coxas e atravesse a bunda. Depois do sexo na escada, não interrompido por moradores dos outros apartamentos, meu prazer é vê-la nesse strip reverso.

– Eu não quero continuar com isso – ela me diz, colocando os brincos.

Que tesão ver os dedos ágeis dela encaixando a taraxa no lóbulo esquerdo.

– O namoro acabou – ela prossegue.

De repente, lembro dos sintomas do meu pai.

– Posso te fazer uma pergunta?

– Foi bom, foi muito bom – ela me interrompe – mas você não tem dois reais no bolso pro lanche.

Levanto, enfio minha mão atrás na bermuda e puxo uma nota de cinco merréis. Ela ri e depois fecha a cara.

– Não dá pra um açaí. Se você trabalhasse. Quero mais que a escada do prédio. Os vizinhos falam, sabia?

– E falam bem? – digo, guardando a nota de volta no bolso.

Ela respira fundo. Depois mira-se na câmera do celular como um espelho, aprova sua cara de quem foi dar um ingênuo passeio na rua com o namorado e faz menção de sair.

– Hein, posso te fazer uma pergunta?

Ela para, cruza os braços e olha pra mim.

– Você conhece algum vereador que marca médico?

– Pra quem?

– Pro meu pai.

(Gritando) – Como é que eu vou saber?

– Sua mãe não é metida com política?

(Tentando acalmar-se) – Vai à merda – ela diz. Depois repete, “vai-à-mer-da”, com a voz baixa. “Acabou”.

Ela sobe as escadas e só sei que entrou em seu apartamento porque escuto a porta batendo. Saio do prédio e respiro o ar da rua. A mãe dela é metida com política sim, e de partido conservador, por isso não deixa a gente namorar no quarto. Do lado de fora, caminho pelo meio dos automóveis. As calçadas estão cheias de carros estacionados, mesas de bar. Há cacos de vidro, não quero rasgar o pé. Desvio de bicicletas e os ônibus buzinam pra mim. Um cara me olha estranho. Se eu tivesse uma faca, matava ele. Quando entro em casa, encontro meu pai deitado no sofá com uma toalha quente sobre a barriga. A pele do abdômen está esticada de tão inchada. Veias irrompem e tenho nojo de olhar por muito tempo. Ele está assistindo um culto na televisão. – Põe em cima da tevê – ele pede, com uma espécie de rosnado.

Eu coloco. Quando reparo meu pai, ele está de olhos fechados. Desconfio que tenha morrido. Mas é o pastor na televisão que está orando.

– Pai, tô procurando um vereador pra te arrumar uma consulta.

Ele estende uma mão pra mim, me pedindo pra esperar. A outra segura a toalha quente na barriga. O pastor diz amém, meu pai repete. Amém. Então ele pede o copo d’água. Eu entrego e ele bebe em goles longos.

– Não precisa vereador.

– Mas e sua barriga, pai?

– A água vai curar. Água ungida.

Meu pai termina a água e, de súbito, fecha os olhos. Parece que é pra orar de novo. Insisto:

– Pai, tem que ver se é úlcera – ele não responde. – Dizem que úlcera come a gente por dentro, pai. Nem uma palavra. Ele solta a toalha quente, que escorre pro chão, e de repente fecha os olhos. O pescoço tomba para fora do sofá. Está realmente concentrado em sua oração. Esse endurecimento dos músculos deve ser o que ele costuma chamar de espírito santo. Nem respirar ele precisa. Aumento o volume da TV, pra ele ouvir melhor o pastor, e saio à rua. Vamos atacar em duas frentes pra conseguir a consulta. Meu pai busca a via religiosa. Eu vou atrás de um vereador. Tem um que me deu 50 reais pra votar nele ano passado. Sei onde é a casa dele, vou lá. Mas antes quero tomar um açaí com os cinco merréis que tenho no bolso.