texugo mel

Imperdoável

Meus queridos confrades Aleatórios, mais uma vez cá estamos reunidos. Aproveito para lhes pedir perdão e socorro. 

Faz o quê? Quase um mês. Eu ainda vinha sob o efeito da “literatura infantil” quando a minha psiquê passou a refletir sobre o próximo tema: “perdão”. Foi o bastante para me tirar o sono por alguns dias; até que me chegasse essa sombra, que foi se revelando aos poucos… aí é que perdi o sono de vez. Peço-lhes perdão por esse meu jeito torto de enxergar a vida. Ao menos de alimentar essa ilusão perdida de, sei lá quais, nem quando! Venho mesmo me sentindo amarguras por coisas que nem sei bem do quê ou dos porquês… Venho ultimamente, cá com os meus botões, confabulando muito com essa minha personagem interior. Aliás, a bem da verdade, tendo a crer que esse meu eu um tanto desajustado já me acompanha há tempos e venho fazendo essa espécie de gato e rato com ele. Criador e criatura, ora ela parece me criticar, ora eu sou eu a ignorá-la… São coisas de autoafirmação de um lado, autopiedade de outro. Beleza! São coisas humanas mesmo, passionais, de dominação banal. Mas, agora, parece que esse meu eu está querendo me abandonar e logo quando mais preciso dele. É, acho que, ultimamente, não temos tido divagações filosóficas muito satisfatórias; talvez por crises de ego inflamado e tal e coisa, o meu eu parece querer me processar por eu não segui-lo à risca e, ao mesmo tempo, tentar fazê-lo de bobo com ilusões fantasiosas, umas, melodramáticas, outras. Sei que deve haver algum tribunal extramundo que, algum dia, sabe-se lá como ou quando, estarei diante de juízes enraivecidos; quererão a minha cabeça, com certeza. Por enquanto, vou tentando me apaziguar com ele, deixá-lo ser protagonista. Então, desculpem-me pelas merdas daqui pra frente; não sou eu, é ela… Já faz tempo, acho que sempre, entendi que não mudaria o mundo, então jamais levantei bandeiras sobre isso ou aquilo, apenas convir ou divergir intimamente me satisfazia… e ainda me satisfaz! Porém, sem querer nem pensar nessa possibilidade, passei a alimentar um não sei o quê de confusão nesse meu eu desalinhado que, agora já sei, quis fazer alguma diferença ao deixar de ser uma simples coadjuvante. Pois é, durante um bom tempo cansei de ouvir de literatos sobre que toda história bem contada deve ter início meio e fim e uma boa gramática; que um bom roteiro necessita coerência, ordem, enfim, ter pés e cabeça… Besteira! Puras baboseiras de literatura amadora. Uma história nem precisa ser bem contada; pode ser de trás pra frente; do meio para o início… E, querem saber, nem precisa ter roteiro, apenas ser… contada! Não quis seguir clichês, nem montar uma personagem pronta pra guerra e cheia de artimanhas; nem fantoches existenciais. Uma máscara sim, tipo… um animal desigual. (Aliás, queridos leitor e ouvintes, cá entre nós – em “off”, pergunto-lhes: qual animal você escolheria para, digamos, bem personificar o seu ego? – apenas pensem nisso por alguns segundos)… E pouco importa pra mim ser macho ou fêmea. Pois bem, o primeiro que me veio foi o ornitorrinco – um bicho que é cheio de possibilidades, porém, também é muito calmo pro meu gosto; Talvez uma espécie escamosa, tipo: dragão de cômodo, mas, que lástima, procria somente uma vez ao ano… Logo depois, eis que surge a figura rotunda de um hipopótamo, todo pesadão, fortão… não… êta bicho chato pra cacete! Um suricato pescoçudo?! Uma orca psicopata!? De repente, quem me aparece todo arrepiado e cheio de posse: o tal do texugo! Aí sim, senti firmeza. Cara! Ele é do tipo “sei lá”, bichinho marrento; e aguenta porrada, mordida, até picada de naja e escorpião; veneno pra ele é como estimulante e tem aquele peito tóxico. É baixinho, tá certo, mas cresce diante do perigo, encara até leão; pula, corre e nada bem; bom escalador, escavador, tem garras poderosas… Só lhe falta mesmo voar e falar, porém é bom ouvinte. É ele! Daqui pra frente o meu eu vai se tornar num belo texugo, um texugão! Pronto, personifiquei-lhe com as minhas roupas. Jeans. E ficou que nem gente grande. Daquele jeitão, malhado, barriga tanquinho, e todo encorpado, incorporado e enrugado com aquela couraça peluda mais parecendo vestir uma jaqueta; com aquele seu o olhar dominante e perverso nem precisará dizer palavra. Uma figura ancestral, porém sem qualquer história, somente a sua presença a provocar mistérios. A sua figura tosca trará mais dúvidas do que certezas. Pra que então contar versões sobre o seu passado quando, diante dele, tudo vira presente. Fiz a fantasia imaginária e a trago diante deste tribunal, é o meu eu texugo que aqui se faz presente. Texugo, texugo, texugo… TE-XU-GO. Cadê ele? Tava bem aqui! Sumiu. Fugiu! O maluco parece querer se livrar de mim. Tão vendo só como são as coisas: foi só eu lhe dar uma reles perspectiva de poder, uma pontinha assim de nada, pra descobrir a sua verdadeira índole. Venho então me retratar sobre o que falei a pouco, uma história deve mesmo ter início, meio e fim e, ainda que seja de forma reticente, uma retórica minimamente coerente e… ainda que esta que lhes conto seja demasiadamente interpessoal – houve entre nós, eu e a criatura, alguns casuísmos sentimentais relevantes, embora divididas em tão pouco tempo de convívio libertário, uma vez separados os vínculos intimamente pessoais, ele, se no início até que se portara solícito, no entremeio – passado menos de uma quinzena – passaria a me repudiar e, atualmente, já nem me ouve; sempre de forma arredia, finge me ignorar, o traidor! Então, preciso me libertar dele de uma vez por todas. Não aguento mais essa tortura e quero o meu ego inseguro de volta; e as minhas ilações existenciais e meus dilemas, meus erros. 

Sim! Dito isso, venho, aqui e agora, diante deste tribunal literário; senhoras e senhores, como nobres conselheiros da vida, pedir-lhes socorro e que me autorizem o extermínio do meu eu.