O ano é 2006 e ele tinha 13 anos. Estudava no único colégio particular da cidade e não se preocupava em ser um bom aluno.
– Eu quero mesmo é jogar bola.
Quatro anos antes o menino tinha visto o Cafu levantar a taça da Copa do Mundo e sentira a vaidade inflar com a possibilidade de fazer o mesmo. Ele levantava o vaso de cristal de sua mãe, herança de uma tia-avó distante, em frente ao espelho enquanto fingia ouvir os gritos emocionados dos torcedores no estádio.
– Obrigado. Obrigado. Eu nunca imaginei que estaria aqui, vestindo a camisa dos meus sonhos numa Copa do Mundo. Tudo que fiz foi pelo meu país!
É claro que ele tinha imaginado. Falsa modéstia nunca levou ninguém a lugar algum. Aliás, não sei por que as pessoas acreditam que falar isso torna a conquista mais nobre. Deve ser alguma construção – ou inversão – de valores da qual não me importo. A mãe do menino, notando preocupada a ausência de seu cristal na mesa abriu a porta do quarto num rompante.
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Correram para a enfermaria, desesperados. Havia sangue para todos os lados. Carregado por dois enfermeiros, o menino gritava e chorava de dor. A mãe, sofrida, não conseguia parar de pensar em seu cristal estilhaçado pelo chão. Ela não era uma mãe ruim… era possível se preocupar com o filho e sentir um pesar descomedido pelo único cristal que herdara de uma parenta velha sem qualquer conexão.
– Meu menino, meu pequeno. Como você está se sentindo?
O menino resmungava débeis palavras de dor e misturava pedidos de desculpas com agradecimentos jocosos pelo chute certeiro. Aquele que acertou o gol em cheio nos 45 do segundo tempo da prorrogação.
Que bonito, que bonito. Amigos da rede orbe, que goláááço.
– Ô mãe, ô mãe. Eu marquei o gol da vitória. Eu levantei a taça. Ô mãe, ô mãe. Eu sou um jogador famoso. Eu sou o camisa 10.
A anestesia passou e com ela a conversa fantasiosa que mãe e filho travavam naquele quarto branco esterilizado. Quando o médico tomou parte da conversa, ouviu o menino questionar “doutô, doutô, quando eu vou poder jogar bola de novo?
– Desculpa, menino. Daqui pra frente seu pé só volta a chutar nos sonhos.
O menino chorou, chorou, chorou. Até adormecer de novo. Se só poderia ser aquilo que sonhava enquanto dormia, decidiu que dormiria para sempre.
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