Início da noite, ruas cheias, pessoas passam, carros buzinam, pressa por todos os lados. Paro. Penso. Peço cerveja e espero o tempo passar naquele dia quase indiferente e alheio a mim. Os gatos passeiam sob mesas. cadeiras e sobre meus pés, cansados de seguir na mesma direção dos estigmas. No sacolão, do outro lado da rua, Ela entra e se mistura entre frutas, legumes, ovos e verduras. Ela talvez não se lembre de mim, continua bonita. puxou a mãe, com aquele ar altivo, de família tradicional. Ela continua com o corpo em forma como sempre. Muito branca. distraída, ausente, como se desdenhasse. O marido ao lado. Grisalho e esbelto.
Ela pega uma cenoura. aperta e enfia na sacola. Solto a fumaça em círculos. cumprimento um amigo que passa e meu pensamento volta vinte anos atrás. enquanto ela, agora, escolhe mandiocas. Lembro de como ela gostava de ficar de bruços, nua, conversando na cama, sua pele branca, viçosa. como um copo de leite. que tanto gostava. Adorava leite! Leite cor da polpa do aipim. Leite que sai no corte do pepino. que agora está em suas mãos.
O marido a observa na tamanha delicadeza com os pepinos. Os olhos dela se perdem em meio aqueles objetos fálicos. Suas mãos. pequenas e macias. parece que não envelhecem. seguram os fálicos, um a um, observando todos os seus ângulos. O marido lhe fala alguma coisa junto ao ouvido; ela lhe responde rindo. Seus lábios se afastam. os dentes irrepreensivelmente esmaltados, reluzem; o sorriso infantil se estampa e o nariz se aquilina mais ainda.
A gata, sob a mesa, enfia suas unhas em meu jeans e eu imagino todas as melancias daquele sacolão em pedaços. sobre um corpo branco, de bruços. num lençol de seda, alvo na ausência de cor.
A cena Dela, agora, e quase “felliniana”, levanta uma generosa banana e com o mesmo sorriso, pergunta algo pra moça do caixa, que balança a cabeça afirmativamente. O marido segura as sacolas e ela descasca a banana com leveza de uma gaivota em seu voo de observação. Decepa a ponta da polpa com a delicadeza de quem prova um vinho raro.
A gata está faminta e eu tenho sede… peço mais uma cerveja e peixe … a gata está prenhe, um amigo ”de além mar”, na mesa ao lado, fala de Camões e no salvamento de Os Lusíadas: da água. bebo um gole, e pouco, sorvo todo o líquido do copo e ela engole a banana d’água. A bolsa da gata arrebenta, o trânsito desafoga e os transeuntes agora escorrem lentos.
O sangue da placenta se mexe no chão. como uma melancia cheia de gatinhos. Ela tem nas mãos uma beterraba, vejo que suas unhas estão grandes quando uma e enfiada na beterraba e a raiz carnuda faz escorrer um veio líquido. cor de sangue, sobre sua alva mão e a outra, com todas as unhas, escolhe um dedo para tocar o líquido e levar aos lábios. A língua, como uma serpente, vem buscar a gota antes que esta toque qualquer outro lugar que não fosse ela, e Ela fela o dedo como se fosse uma teta. como a da gata, que oferece para os gatinhos que também sugam o leite, sem deixar escapar uma gota sequer.
A gata come a placenta, com sabor do peixe, que nada dentro do copo em que bebo, enquanto imagino os melões que Ela esconde dentro da blusa, em seu corpo de leite e me deleito pensando nela em seu leito de bruços, sem blusa, sem nada, nadando num rio de gozo como uma gata.
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