Fragrãncia

aluno professora

Tinha um perfume que cheirava a medo. Minha infância era banhada de insegurança e incertezas, mas quando dona Amélia passava, eu costumava me esconder. O cheiro era forte. Lembrava rosas murchas que costumavam deixar sobre túmulos. Era inebriante e sempre marcava a sua chegada. Eu ficava encolhido no fundo da sala, diminuto, tentando ser invisível em minha cadeira, enquanto ela, altiva, me olhava penetrante, como quem sabia do meu apavoramento de aluno tentando desviar da tortura. Nunca consegui responder suas perguntas, mesmo sabendo algumas respostas.

Repeti a terceira série duas vezes. Não conseguia transpor aquela barreira. Só quando ela ficou muito doente e foi substituída pela professora Sonia é que melhoraram minhas notas e segui para a quarta série. Sonia era uma preta muito simpática e tinha um ar maternal. Um dia ela sorriu pra mim com seus dentes muito brancos. Não usava perfume como dona Amélia.  Tinha um cheiro natural de pele fresca que acabara de sair do banho. Depois da segunda aula, comecei a ficar apaixonado. Um amor assexuado de menino carente, com grande necessidade de atenção e amor, de ser tratado como gente e Sonia fazia isso. Soube que ela era noiva e morri de inveja. Desejei muitas noites a morte do noivo dela. Soube que ele era paraquedista e como fiquei torcendo para que durante algum salto, o paraquedas não abrisse. Quando somos crianças carregamos muito egoísmo e maldades no coração, mesmo que de uma forma ingênua. Só quando crescemos é que deixamos de ser ingênuos e amadurecemos nossos egoísmos e maldades. Por isso, quando sinto o perfume de dona Amélia em alguém, ainda nutro alguma satisfação em saber que ela, depois que foi atropelada, nunca mais voltou a lecionar.

A vida é assim. Toda fragrância conta uma história.