homem buque de flores

Flores pra você

O som de sirenes ecoava alto na pequena cidade de Rolândia, mais precisamente em frente à casa do Doutor Waldemar, o colírio da vizinhança e ídolo da Dona Clotilde, que chorava copiosamente após saber de sua morte e dos fatos que a envolviam.

Dona Clotilde, rodeada por outros pasmos vizinhos, só sabia gritar:
– Que horror, ahhhhh que horror!
– E a mulher dele? Cadê?

Sempre reclusa, nem a campainha atendia. Ela só sabia que ela morava lá porque fora ao casamento deles, anos atrás, e porque via duas sombras através da janela. Era uma jovem linda, porém sem família alguma e muito arredia, pois nunca aceitou um convite para tomar um café e ela sempre a convidava através de seu marido, toda vez que ele chegava com flores e se demorava um pouquinho mais para entrar em casa.

No interior da casa, a equipe do Samu prestava socorros à Ana Amélia, agora jovem viúva do Doutor Waldemar. O corpo do proctologista já havia sido levado pelo rabecão. A polícia interrogava Ana Amélia, que havia sido encontrada com as mãos amarrados à cama, o corpo com hematomas e sangue seco na boca. Seu estado era lastimável. Ao lado dela, Brutus, seu cão, também amarrado.

Ela narrou ao policial tudo o que tinha acontecido: seu marido chegou com as flores que trazia toda sexta-feira e, como de costume, usou e abusou de Ana Amélia enquanto a mantinha presa (isso começou após um mês do casamento) e depois de duas horas ou mais, ela não sabia dizer (tamanha violência que a fazia perder a noção de tudo), ele saiu, trancando-a no quarto, como sempre fazia, para trazer compressas, colocar em cima dos machucados e passar pomadas para diminuir as marcas. Logo depois ela ouviu um barulho alto na escada, como alguém caindo, e ele não voltou. Foi então que ela conseguiu pegar o celular que ela tinha escondido embaixo do colchão e com o qual ela ligou para policia.

Ao ser perguntada porque nunca o havia denunciado, Ana Amélia disse que não tinha para onde ir, não trabalhava e ele a ameaçava de morte quando ela pedia para sair ou quando ela pedia o divórcio. A polícia concluiu que foi uma fatalidade: Doutor Waldemar caiu da escada, pelado e, por azar, em cima da bengala que ficava ao pé da escada, de ponta cabeça, sendo empalado pela bengala de sua falecida sogra.

Meses se passam, a chuva cai fininha e sentada na cadeira de balanço está Ana Amélia, apreciando as flores do jardim. Ela vê o movimento de Dona Clotilde, que lhe acena sorridente do outro lado da rua, através de sua janela, e  Ana lhe acena de volta, ciente de que ganhara uma amiga, já que Dona Clotilde ainda se remoía por dentro por não ter percebido que o lindo médico era um verdadeiro monstro. Era hora de recomeçar, pensou Ana Amélia.

Reviveu mentalmente os últimos momentos com seu marido, a cena em que, após a sessão de tortura, ele a desamarrou e saiu do quarto e ela, cansada de tudo aquilo, soltou a guia de Brutus e foi atrás de Waldemar.

Brutus, ao seu lado, rosnava para ele que, com medo dessa reação inesperada de ambos, foi andando de costas e acabou caindo da escada e sobre a bengala. A bengala, única lembrança que ela tinha de sua finada mãe, havia sido a sua salvação e agora era sua fiel companheira, assim como Brutus.

Depois que Waldemar caiu e permaneceu inerte por muito tempo, ela voltou para o quarto, fechou a porta por dentro com a chave reserva que encontrou e se amarrou de novo dando um nó muito bem dado, pois ela assim poderia se soltar quando ele a prendia por mais tempo, geralmente quando ela pedia para se separarem. E então, ela ligou para a polícia.

Agora ela estava livre e rica… 

Olhou o relógio e sorriu quando o novo pretendente que havia conhecido pela internet apareceu no portão. Olhou para suas mãos e viu um grande arranjo de rosas… Ouviu Brutus rosnar baixinho… segurou a bengala com força e disse:
– Entre…