‘Ah! Quer dizer que o senhor tem uma carteira de identidade? Então o senhor existe? FRANCISCO DA SILVA…’ Falava bem alto o inspetor em meio às gargalhadas dos outros policiais.
A delegacia estava cheia de pessoas simples, aguardando a vez para serem humilhadas. Seu Francisco só dizia: ‘Sim senhor…’
Seu Chico, como era conhecido, fora trazido por dois policiais orgulhosos pelo feito, quando receberam das mãos do segurança do supermercado, aquele velho analfabeto, enrugado, de mãos grossas, olhar marejado e distante. Tinha furtado uma lata de goiabada. Nervoso, colocara a lata dentro de seu casaco surrado, achando que ninguém veria, porém foi flagrado pelas câmeras.
Seu Francisco não era do tempo das câmeras nos estabelecimentos e quando mostraram a ele a prova do seu furto, morreu de vergonha do que acabara de ver e fazer. Era a primeira vez que ele tentava subtrair alguma coisa de alguém, mas devido a pandemia, estava sem emprego e sem dinheiro e queria agradar a neta com um doce. A imagem que lhe mostraram não era a dele. Aquele não era ele. O que diria para as pessoas e a sua netinha também ficaria sabendo do seu delito? Que vergonha!
Naquele momento toda a vida perdeu o significado. Ele não queria ver as reações das pessoas. Desde quando nasceu, Francisco (ou o destino) errara em suas escolhas: Errou de País, de pais, de profissão… Enfim, foram sempre “escolhas erradas”, mas agora o destino reservava uma última chance, uma última oportunidade de escolha. Olhou em volta e num ímpeto, arrancou do coldre do policial a pistola carregada e desferiu um tiro contra seu próprio peito.
Antes de morrer ainda vislumbrou a polvorosa das pessoas correndo e gritando na delegacia. Em seu último pensamento, num filme em relâmpago de toda a sua sofrida existência, veio a certeza de que agora sim, havia feito a escolha certa.
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