Dentro do barraco-de-madeira, esquecido, no fundo de outro e mais longe beco, aconteciam os mesmos sempre fatos que a gente proíbe imaginar. A casa-de-palafita, estranha, sumindo, atrás de casas e casas, entrando para mais silêncio até desaparecer.
E o final de tarde, sempre lá perto, tinha de me procurar no quarto, trazendo, pela cama, uma bonita última luz daquele dia repetido, onde me arrancavam a vida por debaixo das roupas. E naquele quarto eu me esquecia de mim mesma, como se estivesse relendo meu nascimento ao contrário. Tanto, tanto, que nem sabia se era certo meu pai me encostar daquele jeito. Se bem que eu buscava consolo fazendo-de-conta-de-amor o que era o meu segredo de esconder do mãe aquilo tudo comigo.
Mas vinha junto também o mundo, as outras crianças, era um montão demais, um sobe desce de gritos de agitadas brincadeiras, na rua, a Alegria, esconde-esconde inventado no feliz, passa-anel-passa devagar; eu sabia pelo barulho toda vez que alguém se perdia no caça tesouro.
Seria Zezé-Miúdo, que se distraia e sonhava ao mesmo tempo em qualquer coisa? Ou era Liumlium, a única das meninas que nunca se importava com os acontecimentos. Infância é mesmo coisa muito séria: descobriam o possível de outros sonhos no meio daquela gritarada
toda.
Não. Eu não podia ir lá fora brincar nunca mais.
Então, eu ia dissolvendo, sucessivamente morrendo, quase de uma vez. Enquanto meu pai mexia comigo, de qualquer jeito, de todo qualquer jeito. E eu me recolhia, amuada, apertando a parede em mim, com medo do mãe perceber que eu estava toda manchada de sangue pelas pernas. O que consumia de sufocar, era só um grito que queria, e que não queria sair berrando toda violência travada na garganta; era quase um gritinho misturado com solidão enorme. Um descomedido insuportável, furioso, quebrado em submissão tranquila. Mas: não – o
velho demorava pouco… o ato de machucar meu corpo para ele era gostoso, parecia um brinquedo de menino. Sorria apenas, babando em mim, fazendo caretas, meio-cansado. Aquilo, coisa sem fim.
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