Às seis horas da manhã, padre Paulo levanta. Mal entra no banheiro e ouve a campainha. Era Heraldo, o sacristão, que acabara de chegar. O padre se apressa. Queria tomar café antes da primeira missa. Ultimamente, ele vinha perdendo a hora todos os dias. Insônias, calafrios, sudoreses noturnas. Quando conseguia fechar os olhos, já era hora de levantar. E tudo isso por causa da Mariah, uma das filhas do coronel Benário, um dos maiores fazendeiros de Pombal, cidadezinha onde foi designado para guiar o rebanho de Cristo.
Padre Paulo era um homem de fé, temente a Deus. Com trinta e seis anos de sacerdócio e cinquenta e dois de vida já havia sofrido todos os tipos de provações que a vida religiosa poderia exigir. De todos os espinhos que poderiam lhe ferir a carne os que ele menos temia eram os de natureza sexual. O celibato não era uma doutrina difícil para ele. Há muito aprendera a dominar os seus demônios e seus instintos, mas há uns três meses essa segurança toda vinha ruindo por causa de uma “ninfeta” de dezesseis anos que todos os domingos ia ao confessionário infernizar a imaginação do pobre Padre com o seus lascivos pecados!
Era perversa a guria. Contava tudo nos mínimos detalhes. Falava da boca, dos seios, dos pelos. O pobre homem já não sabia mais o que rezar e nem por quem. Amanhecia todos os dias com o peso dos pecados dela em seus ombros, isso por não conseguir evitar as perturbações, tentações, que as narrativas dela lhe causavam. Ele tentava. Rezava, jejuava, chorava, mas não conseguia fugir, resistir às imagens que se formavam em sua mente, ganhando vida, se reproduzindo, ora em sonhos, ora em delírios, pesadelos. Cenas tórridas de luxúrias e pecados descritas meticulosamente pela desavergonhada.
Imagens que o invadem, despertando seus anseios e desejos tão antigos que nem julgava mais ser capaz de sentir. E eram muitos os personagens: O jardineiro, o administrador, o vigia e até o cocheiro. E o pobre padre seguia todos os roteiros em variados cenários. Em seus sonhos, desempenhava os papeis com louvor, um brilhante ator, “digno do Óscar”, porém quando acordava, vinham a culpa, a dor e o arrependimento.
Então, ele abria o armário em busca do chicote e se punia severamente. Não adiantava muito, mas aliviava um pouco a culpa. Mas aí, ela voltava no domingo seguinte com novos episódios, outros personagens criados minuciosamente para enlouquecê-lo! O que o sacerdote não percebia era que inconscientemente, ele ansiava por aqueles encontros dominicais com o pecado. Por isso, acordara tão apressado aquela manhã. Durante o desjejum, na cozinha paroquial, ele repassara o texto que escolhera para o sermão: “As tentações que Jesus sofrera quarenta dias e quarenta noites no deserto”. Muito bem apropriado! Murmura ele num triste sarcasmo.
Já no “sagrado” altar o padre Paulo faz o sinal da cruz vasculhando com os olhos o salão da igreja a procura da “perfidiazinha” que estava lá, sentada no primeiro banco com o seu vestido rodado, seu rabo de cavalo e laços de fitas. Parecia uma inocente menina. Ninguém jamais seria capaz de imaginar a “Diaba” que vivia ali a perturbá-lo. Mas o padre tomara uma importante decisão: Hoje quando ela viesse ao seu confessionário, falaria seriamente com a moça e a proibiria das confissões, enquanto o assunto fosse aquele, que tanto o consumia. Padre Paulo administrou a missa com os pensamentos conturbados, preocupado com o desfecho que teria seu dilema pessoal.
Estava se sentindo ameaçado por aquela situação. A verdade é que estava com muito medo daquela garota. Mal encerra a missa, padre Paulo corre nervoso para o confessionário. A contragosto admitiu bem baixinho que estava ansioso demais por aquela confissão. Só que a confissão não aconteceu. O padre ouviu por horas vários pecados, diversos pecadores, mas a sua pecadora favorita, ou melhor, “o seu martírio” não apareceu. Padre Paulo duvidou quando Heraldo disse que todos se foram.
Inconformado, ele mesmo saiu para procurá-la. Olhou o salão. Olhou a parte externa da igreja, correu até a praça, e só então se deu conta do que estava realmente acontecendo e resignado pensou:” Não! Não era a menina! Nunca fora ela o pecado. O pecado era ele. Sempre fora. Em sua frágil condição humana! Vítima de um processo hormonal comum a todos os homens, a qualquer homem, porém ele, religiosamente santificado, fora colocado miseravelmente acima de todos os mortais. Tornara-se um fugitivo desse instinto que humaniza e do amor que enobrece os homens. “Refém da fé que o escraviza e dos sentimentos que ora lhe roubara a santidade.” Entender e aceitar a concepção humana como ato pecaminoso é o seu sacerdócio. Passar pela vida expiando o amor como se fosse um pecado é o seu destino.
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