Uma coisa é bem clara pra ele: que muitos dirão dele ser um verdadeiro canalha; e, até que uns vão dizer se tratar de um sujeito de sorte e um santo homem; outros, que é a própria encarnação do mau, o filho do capeta. Uma porção maior há de berrar que ele é mesmo um bom filho… Mas, neste exato momento, enquanto dá este testemunho, alguém há de torcer o nariz, e confabulará aí com os seus botões: “esse boçal não tem respeito nenhum pela memória da própria genitora?! Não respeita mulheres, sejam tias, primas, irmãs, professoras, carolas e… que mãe é mãe!” E professará mais um tanto de frases de efeito que soam bonito aos ouvidos, mas, na verdade, não nos servem pra nada!
Um fato é certo na sua vida – de que a sua mãe não deveria tê-lo parido. Veio ao mundo na marra, por fórceps. Nem conheceu a mãe, pois ela morreu no parto. Certamente foi por consequências da gravidez tardia e mal engendrada; e, de boas doses de abortivos e de outros tantos abortos consumados, numa penca de meio-irmãos que não teve a mesma sina que ele. Já cansou de ouvir que foi muita sorte a sua, ter sobrevivido. Sorte?! Então, só soube que era filho de uma mulher já bem envergada na vida e na lida e histórias pouco convencionais para a cabeça de um moleque criado por “tias”; entretanto, talvez até por este motivo, consideradas aceitáveis para quem fora se acostumando aos revezes da vida. Foi barra! As “tias” – e nunca soube de seus verdadeiros nomes – atendiam por apelidos, assim como ocorrera com a sua mãe e o seu codinome era “Tiazuda”, que nem a outra que a substituíra e, também, cuidava dele. Ficara com parte daquela espécie de herança: o bebê e a alcunha, que ela ostentava com certo orgulho – o apelido – especialmente nos espetáculos de strip-tease. O locutor gago assim alardeava: “Lá-lá vem ela to-toda te-tesuda, to-toda boazuda, de-desnuda e ca-ca-carnuda… Tiiiiaaaazuuuuuda!”. Então, sempre imaginou uma espécie maternal muito estranha pra ele, coisa nem ruim nem boa, somente esquisita. Mas, ia fazer o quê senão brincar solto lá pelos
cantos escuros do bordel e pelas ruas em frente, nas esquinas e pracinhas locais, extensões territoriais dos prostíbulos da área, encontrando-se com outras crianças igualmente desnaturadas?
Pode até parecer coisa antiquada… démodé pros tempos atuais. Mas, era um tipo de roteiro muito apreciado pelos afetos, e porque não dizer, pelos desafetos também. Tem tempo isso, aconteceu lá no auge áureo dos “inferninhos” e, aquilo fervilhava de gente. Hoje, são como memórias perdidas, registros estampados em fotos rotas e desgastadas que uma ou outra resolvera emoldurar para enfeitar paredes carcomidas, onde quase tudo se fez muito parecido entre si, os retratos, as paredes, os móveis, as damas e os dramas, reféns das mazelas atemporais. Tudo, pessoas e fotos, foram se embaçando com o tempo e o manuseio incauto e assim foram desaparecendo aos olhos do mundo. Sumiriam nos sepulcros dos cruzamentos das vias das circunstâncias, não fossem algumas fotos escondidas numa reentrância entre paredes daquele quartinho…
Sim! Num belo dia teria encontrado um álbum de fotografias antigas, algumas em preto e branco, com mulheres nuas em poses bizarras. Reconhecendo umas e outras e, dentre estas, identificou aquela que, talvez, fosse ela. Teria sido pouco antes do seu nascimento e a mostrava de barrigão saracoteando no palco, totalmente nua, com as pernas bem abertas… Dava até pra ver, ainda que um tanto desfocado, o lugar por onde fora “cuspido”. Achou que ela já estava um tanto passada dos limites mesmo para os padrões época, mas devia ser coisa top lá pelas bandas da virada do século e põe bandas e viradas naquilo. Diriam uns tantos, em coro e sem nenhum exagero semântico, se tratar mesmo de uma “quenga-velha e buchuda!”. Então, triste sina esta sua, sem pai nem mãe e amaldiçoado em dobro pela outra, a tia-mãe que lhe criara; e tudo bem que fora aquele o seu modo de criar um filho emprestado, mantendo-o refém por culpas hereditárias. Numa espécie de lavagem cerebral reversa e perversa, foi assim sendo responsabilizado por elas terem se separado. É que as duas eram do balacobaco nos bordéis. Faziam de um tudo.
A tal culpa hereditária: “matricida!” Cansou de ouvir da boca da doida dele ser o filho do capeta, porque, além de provocar a morte da mãe, nascera com um borogodó de endoidecer. Assim ouvira dela, entre abafados gemidos orgásticos – “Ó my sugar baby!”. Sim! Foi aquela a primeira das muitas. Ela alimentara uma espécie de crença de que a irmã seria na verdade a sua própria mãe, aliado ao fato de que assumira o lugar maternal e aquilo lhe soara, na confusão de sua mentalidade deturpada pelo oficio, deles serem uma espécie de meios-irmãos, mexendo com a sua libido pervertida a ideia de cometer duplo incesto. Depois do ato, encheria a cara dele de tapas, porque era “a encarnação do diabo”; e… “melzinho na chupeta!”. Desde então nunca deixariam de brincar e, pra ele, era como se ela fosse mesmo mãe, tia e irmã, dependendo das personagens que ela ensaiasse nos seus fetiches e, por vezes, vinham todas numa só. Era insano. E aquilo parecia mexer com as outras, afinal eram todas como primas, emprestadas ou não, e iam brincar com ele só porque era o filho do cão e o cara mais gostoso do lugar. Aquilo estava acabando com ele e se revelara num sem fim, viraria um ciclo vicioso, não fosse a intervenção divinal da professora de línguas e sua trupe do bem, as ajoelháveis beatas da paróquia da praça… E foram elas que o salvaram de um destino devasso e, agora, conformado como sacristão, quase santo, evoca, em seus cultos noturnos, graças celestiais às bênçãos recebidas.
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