Por Maria Lúcia Bezerra da Silva Alexandre e Jonatan Magella da Silva
Introdução
Em entrevista concedida em janeiro de 2021 Enock Cavalcanti, jornalista iguaçuano, afirmou que a cena cultural iguaçuana possuía efervescência e integração nos anos de chumbo:
“erámos os adoradores de Caetano e de Gil; leitores do Pasquim; então os grupos se fazem como clube da esquina; havia referências nacionais e por vias transversas sabendo das dores do Brasil na ditadura, prisões, exílios, lutamos pela anistia em Nova Iguaçu a gente também queria fazer parte desse movimento.”
Na contramão do vazio cultural e da completa censura, a memória tecida pelo jornalista a partir da revista equipe, periódico que difundia a arte de Nova Iguaçu entre 77 e 80, nos instiga a situar a relação entre o referido impresso e a cena local.
Na primeira metade dos anos 1970, Enock Cavalcanti levou o texto Parada Obrigatória para pensar até a redação do Pontual. Recebido por Adalberto Cantalice, logo foi admitido como colunista e em 1976 tornou-se editor. Nesse ano ele acolheu Laís Amaral Junior como colunista. Enquanto isso o suplemento cultural do jornal reunia a produção literária de poetas da região em colunas como a corja do ex-, editada por Luís Ferrão.
Embora existissem outros jornais na cidade, como o correio da Lavoura, Correio de Maxambomba e o Jornal de Hoje, o Pontual permitia que seus colaboradores tecessem críticas à ditadura. Segundo Luís Ferrão o dono do Jornal Góes Telles dizia que os jornalistas deveriam dar “borrachada mesmo nos interventores”. Telles contratava advogados de defesa para os jornalistas e assinava carteira de trabalho para dar segurança. Apesar dessa abertura o Pontual opunha limites aos colaboradores, pois era da grande imprensa do município.
Nesse sentido, Enock Cavalcanti conta que a revista equipe surge a partir dessa busca por uma liberdade editorial irrestrita. A revista surgiu em 77 atraindo jornalistas, escritores, críticos, desenhistas e tantos outros profissionais vinculados ao mundo da Literatura e do Jornalismo. O encontro de Adalberto com os jovens Cavalcanti, Laís e Ferrão gerou um núcleo interessado não apenas no fazer jornalístico, mas na literatura – e sobretudo no gênero conto, muito popular nos anos 70. Poemas de jovens como Moduan Matus, Luiz Medina, Jocenir Ribeiro e Jorge Cardozo foram publicados, bem como textos teatrais de Marco Mirelli e Celso Mosciaro. Críticas de Waldick Pereira e Éder Rodrigues, produção memorialista de Ney Alberto e até ficções breves do bispo Dom Adriano Hipólito.
Interessados em publicar no jornal poderiam fazer em três maneiras: entregando o texto pessoalmente na redação, pelos correios ou levando a produção aos bares onde os editores costumavam frequentar. O colaborador Davi de Castro afirma que “o bar era a base da nossa turma”. O editor Luis Ferrão relembrou o que dizia aos novatos: “Quer publicar, vai pro Beirut.”
A respeito da circulação, a revista era vendida em bancas da região, informalmente para conhecidos, com conta Davi Castro: “Eu não tinha dinheiro, mas coube a mim vender; Cantalice dizia assim, Davi toma dez vai vender. E eu saía nas lojas e escritórios e vendia a boa imagem da obra”. Havia ainda assinatura mensal, semestral e anual, com cupons destacáveis numa das páginas.
As Artes Iguaçuanas na Revista Equipe
“A nossa vida cultural encontrasse desvinculada da nossa realidade, deixando de refletir as angústias e os problemas do nosso povo. E os grupos, artistas, escritores, músicos que tentam resistir a essa situação têm ficado cada vez mais isolados” (Equipe, 1978 edição 8).
Idealizada por Adalberto Cantalice a publicação teve como objetivo principal avançar na integração e no intercâmbio entre os grupos artísticos existentes. Assim como Pasquim, era parte da chamada imprensa alternativa.
Das dezenove edições lançadas, tivemos acesso a treze, especificamente a partir do número 7. Nessa fase de transição os nome mais constantes são Enock, Ferrão e Laís. O trio também está presente nas coletâneas de contos Primavera Relativa (1977), Pau de Sebo (1970) e Contos de Plataforma (1981), todas produzidas pela Equipe, que também funcionava como editora.
A partir da décima primeira edição, a Equipe iniciou a publicação de entrevistas/documentos em oito encontros feitos com personalidades locais. Destacamos as entrevistas de Robinson Belém de Azeredo, e a do historiador Ney Alberto. Houve também com o ex prefeito Ary Schiavo, o escritor Rodolfo Quaresma Filho, o presidente da comissão de justiça e paz Paulo Amaral e o cantor e compositor João do Valle que residia em Nova Iguaçu.
O bispo iguaçuano D. Adriano tratou da vida dos trabalhadores e da violência policial em favelas cariocas tecendo críticas ao comando da PM. Os grupos de extermínio também foram assunto recorrente no periódico, assim como a repercussão dado ao atentado à bomba ao próprio bispo. Destacamos também o poema 1978, de Jocenir Ribeiro, e os quadrinhos e charges de Frazn Coutinho e Vanderly Marins dentre eles, “domingo na Baixada”, que fazia alusão ao terror de um fim de semana violento na região.
Nas edições de 1979, a revista abriu espaço às lutas de movimentos de associação de bairros, sobre grandes assembleias populares do movimento, ambas no IESA.
A revista também dava espaço para dicas culturais na região como o Cine Arte Cultura, de José Esteves, que levava curta metragens às praças públicas; painéis sobre teatro com o TINI e outros grupos, no teatro Procópio Ferreira do Colégio Afrânio Peixoto. Houve também a organização própria de um concurso literário de contos e poesias. A décima nona e última edição saiu em dezembro de 1980, tendo como capa o cantor John Lennon, recém assassinado.
É possível que houvesse a intenção de prosseguir, haja vista que o artigo “O Monopólio da Fala I”, de Jorge Cardozo, indica uma série de textos futuros. Destaca-se também o expressivo número de poemas (quase vinte), como Sexo em Lata de Moduan Matus e Operário em Exposição de Luiz Medina. Em contraposição a isso apenas dois contos. Tal disparidade entre os gêneros revela um deslocamento de interesses da produção literária da cidade, que nos anos 80, 90 e 2000, teve grande efervescência de livros e saraus de poesia. Mesmo com tais mudanças, a Equipe manteve-se firme como um catalisador das artes locais, diminuindo o isolamento e o enfraquecimento dos artistas de Nova Iguaçu.
Bibliografia
Foram utilizadas as edições da revista equipe número sete ao dezenove.
Foram realizadas entrevistas com Laís Sá do Amaral Júnior, Davi Castro, Luís Ferrão, Enock Cavalcanti.
As outras referências podem ser vistas no artigo completo publicado na revista Pilares.
Leia o artigo completo em PDF através do link: Revista Pilares da História – No 20 – Ano 20
Que contribuição maravilhosa para a memória da produção cultural de nossa cidade. 👏 👏
Muito interessante e importante termos esses registros. Uma maneira de manter viva a nossa História Cultural. Parabéns!!!
Com certeza! Amigo Jonatan Magela!
A Fonte primária de uma época tão singular na cultura da cidade é primordial. Por isso, a importância desta resenha de vocês três.
Na época, como descrevo em meu pequeno ensaio, a prosa e o conto eram mais valorizados como representantes daquela geração nas décadas de 1960 e 1970. Depois, a poesia foi ocupado espaço e mudando o foco, sempre com qualidade… despontando poetas como Moduan Matus, Idi Campos, Luiz Cantalice (filho do Adalberto Cantalice, um dos fundadores da revista), Luiz Coelho Medina, Dejair Esteves, Lais Amaral Jr e J.A. Lima), entre outros não menos importantes e singulares nos motes dos poemas. A Revista Equipe, impressa pelo Jocenir Ribeiro, na gráfica dele, no centro da cidade… na rua Franklin Roosevelt (pelo menos à época em que conheci a publicação) era uma boa fonte de informação sobre a nova poesia q se fazia nos subúrbios (Coletivo Garra Suburbana, em Marechal Hermes (Salgado Maranhão, Sidney Cruz, Ele Semog, Marcos Borges); Panela de Pressão (o núcleo da poesia integrado por Sidney Cruz, Lúcio Celso Pinheiro, Euclides Amaral, Jênesis Genúncio, R.R. Juca, entre outros), em Oswaldo Cruz, CAIS (Cooperativa dos Artista Independentes, com Hélio de Assis), do Hélio de Assis, e o Grupo Negrícia (Éle Semog, Hermógenes Silva, Conceição Evaristo, Hélio de Assis e Deley de Acari, e outros).
Essas publicações, como as do grupo Tangerina, do coletivo do Sesc de Nova Iguaçu, é q contam a micro-história da poesia fora do eixo literário cânone, q também é importante, claro, mas não o único q tem uma linguagem própria e prenhe de significados e significantes inusitados e de visão particular, como hoje, por exemplo, a galera do hip hop que manda os versos em um outro ritmo e como uma outra visão de questionamento. Temos o Átomo, por exemplo, e a Lisa Castro, que mandam muito bem os seus conteúdos em um ritmo poético cadenciado em um elã q envolve os ouvintes, talvez no tal do RAP (RITMO AND POETRY), mas com uma pegada carica… porque a gente sempre antropofagia a parada… pelo menos é isso o q eu sinto quando os vejo falar… VIDE O GRUPO BERIMBRAUM (de Belo Horizonte), que mistura candomblé e rap. Tentei mapear um pouco esta época, mas agora vejo, e confirmo, que tem gente, com muito mais informações e que podem ser concatenadas e formar um painel mais perto do q realmente é, pois sempre, ainda bem… aparecerão novos dados para comporem o mosaico, o que é sempre bem-vindo, pois são dessas pequenas contribuições que a história é feita, pelo menos na nossa ótica, a que trabalha com as microhistórias. Todas as contribuições (com suas visões particulares) são bem-vindas, pois são destes cacos que o painel é formado, e o mosaico fica mais completo, ainda que, algumas das informações se contariam em detalhes, mas, na verdade… é esta antagonice e dualidade que fazem com q o painel fiquem mais completo. Salve, salve as contradições q nos fazem pensar e relevar as verdades absolutas.
Euclides Amaral