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Duas mães

Existem mulheres que se tornam mães no momento do parto. Contudo, para algumas, a maternidade nasce na hora da partida de uma outra mãe. 

Mara começou a trabalhar muito jovem. Jovem é pouco, era criança mesmo. Antes de ser alcançada pela adolescência, ela já estava na casa de Dona Mírian, cuidando de duas bebês. Mara não teve o privilégio da infância, nem mesmo oportunidade de estudos. As meninas, Celina e Taísa, começaram a frequentar a escola e gostavam de dar aula para seus brinquedos. Mara se enfiava no meio das bonecas para tentar aprender alguma coisa. 

As pequenas tinham um irmão mais velho, Beto, fruto do primeiro casamento de Dona Mírian. Ele vivia tomando conta de Mara e a proibia de paquerar os seus amigos. Hans, o pai de Beto, foi um aviador que morreu bastante jovem. Beto tinha algumas dificuldades de convivência com seu padrasto, Zenão. Entretanto, a vida do rapaz ganhara um novo colorido quando, ainda adolescente, começou a namorar a bela Angélica. Ao mesmo tempo em que Beto conquistou a namorada, Mara ganhou de presente uma grande amiga, dessas que muda a vida da gente. 

Nessa época, começo dos anos setenta do século passado, a educação de jovens e adultos ainda era tratada pelo antigo nome de supletivo. Angélica estudava em um colégio de freiras e conseguiu para Mara uma bolsa integral no supletivo de sua escola. Além disso, Mara, apesar de já ter completado dezoito anos, ainda não possuía documentos básicos, como a identidade e o CPF, mas Angélica a ajudou a obtê-los.   

Mara sempre cozinhou muito bem e, após ter iniciado seus estudos, começou a fazer cursos de culinária. Depois de um certo tempo, passou a preparar banquetes para uma clientela cada vez maior e não mais precisou trabalhar para Dona Mírian. 

Angélica se casou com Beto e tiveram três filhos: Ari, Letícia e Sandro. Mara sempre estava por perto. Agora não mais como uma trabalhadora doméstica. Era apenas uma amiga que ajudava, sempre que podia, aquela jovem mãe nos cuidados com os filhos. 

Quando o mais novo tinha cinco anos de idade, Angélica descobriu “aquela doença”. Pelo menos era assim que, naquele tempo, referiam-se ao câncer. O diagnóstico, no início dos anos oitenta, equivalia praticamente a uma sentença de morte, razão pela qual somente a pronúncia da palavra já era um grande tabu. 

Pouco mais de um ano depois, Angélica faleceu. Antes, porém, pediu a Mara que cuidasse de seus filhos, em especial de Sandro, que era ainda bem pequeno e tinha muitos problemas de saúde. Para agravar a situação daquelas crianças, Beto também veio a óbito cerca de dois anos depois.

A partida de Angélica foi o parto por meio do qual a mãe Mara nasceu. Quando achava que não tinha forças, pedia ajuda à amiga. Certa vez, Sandro estava com febre alta. Mara já havia dado remédio, feito compressa, tentado de tudo, mas a temperatura não baixava. Foi ao banheiro, chorou, clamou de mãe para mãe. Escondendo as lágrimas, retornou ao quarto e encontrou Angélica. Não conseguiu ver a amiga de corpo inteiro, apenas da cintura para baixo, sentada na cama do filho. Pouco depois, a febre de Sandro cedeu. 

Mara se tornou a mãe que todo filho precisa. No dia do casamento de Sandro, foi ela quem entrou com o jovem noivo na igreja. O rapaz estava dando o braço apenas para Mara, mas sentia também a forte presença de Angélica. No fundo, Sandro sabia a verdade: tinha a sorte de ser um filho amado por suas duas mães.