Meteorito

Desencadeamentos

Assim como na política, coisas estranhas aconteceram na calada da noite. Só que a política é mais devastadora. O que aconteceu ali naquele pequeno pedaço de Brasil (que talvez os políticos nem o conheçam), foi apenas um fenômeno natural. Ocorreu que um meteorito rasgou os céus daquele lugarejo, deixando-lhes um rastro luminoso, que foi se dissipando. Poucos presenciaram esta cena, mas todos ouviram um estrondo e viram a cratera deixada por tal corpo celeste.

Isto mexeu com o lugarejo. Seu Manel providenciou logo, na padaria, o café da manhã dos curiosos. Afinal, todo burburinho fazia bem às vendas. O jornal local e até mesmo da cidade vizinha vieram logo com pronto sensacionalismo, pois é claro, não é sempre que se tem um furo (uma cratera) de reportagem assim! As religiosas disseram que era um aviso do Senhor. As crianças corriam em torno da mais nova brincadeira. Só Ouvídio (pelo menos assim o chamavam), o “maluco” da cidade, não se manifestava. Ficou meio paralisado e longe. Todos o tinham por surdo-mudo entre os surtos que o moviam.

Aos poucos, todos voltaram aos seus afazeres. As crianças é que não esqueciam de desbravar a grande cratera, e foram elas que descobriram algo mais: Ouvídio agora ouvia e falava, muito embora continuasse maluco. Dizia coisas ao vento, a esmo, uma vez ou outra dirigia-se a alguém. As beatas, inversamente, falavam menos e agiam mais. Tiraram seus véus, arregaçaram as mangas e se dispuseram à criação de um grupo voltado à caridade. Seu Manel, que só pensava em lucrar ao invés de reaproveitar os pães dormidos, agora oferecia-os aos necessitados. O jornal vendia como nunca; como se a população procurasse avidamente pela leitura e informação. No local onde ficou a cratera, fizeram um ponto turístico e observatório. Mas, de todas as mudanças, a que provocou mais espanto, certamente, foi a de Ouvídio, o qual atribuía à manifestação celeste sua recuperação.

Tal fato o remeteu a sua infância cheio de calor, materno, paterno e fraterno. Estavam num parque de diversão, onde tinha muita gente e de repente fogos de artifício explodiram nos céus, no mesmo instante que se fez uma rajada de tiros na terra. Na correria sua mão desvencilhou-se da de sua mãe. Assustado, escondeu-se e na sua pequenez olhou para os céus, quando neste exato momento viu uma estrela cadente. Fechou os olhos e pediu que reencontrasse os seus queridos. E de fato, isto aconteceu, para seu alívio. O susto passou e seguiram.

O tempo correu e o destino lentamente foi o distanciando de sua família. Andarilho, louco, pipa voada, inventou para si o disfarce de surdo-mudo. Mas, quando viu aquele rastro luminoso nos céus, mais uma vez fechou os olhos e fez um pedido: encontrar de novo sua família. Só que, desta vez, será preciso que se encontre primeiro.

Publicado inicialmente no livro “Miscelâneas” da autora.