copo de cachaça

Depende do ponto de vista

Em uma pequena cidade, vivia um casal apaixonado, Heitor e Maria. Eles enfrentavam grandes dificuldades financeiras, mas o amor que sentiam um pelo outro era inabalável. Jovens e sonhadores, eles se agarravam um ao outro como náufragos em meio à tempestade da vida.

Maria, dona de uma beleza estonteante, que poderia fazer até santo reconsiderar sua vocação, tomou uma decisão ousada. Com o apoio relutante, mas compreensivo, de Heitor, começou a trabalhar em um prostíbulo. “Não por querer, mas por necessidade”, repetia para si mesma, enquanto criava uma personagem para suportar a nova realidade: Lola.

Lola era tudo o que Maria não se permitia ser: Confiante, destemida, com um rebolado capaz de hipnotizar um pescador em noite de lua cheia. No prostíbulo, Lola sorria e dançava, mas quando voltava para casa, Maria repousava nos braços de Heitor. Essa separação mental a ajudava a lidar com a situação, mantendo sua essência intacta.

Uma noite, Heitor estava em um bar, bebericando uma cachaça honesta para espantar o peso das preocupações. Foi quando um sujeito, com bafo de pinga e coragem de quem não mede consequências, se aproximou e, com um sorriso torto e tom sarcástico, disparou:
– E aí, corno? Como é dividir a mulher com a cidade toda?

O bar inteiro silenciou. Até a mosca que sobrevoava a pinga do Zé da esquina parou no ar. Mas Heitor, com a calma e a dignidade que sempre o caracterizaram, girou o copo entre os dedos, olhou para o homem e disse:
– Depende do ponto de vista, amigo. Minha esposa sempre foi extremamente fiel a mim em sua alma e em seu coração. Outros podem tocar o corpo de Lola, mas a Maria… Ah, essa é só minha. E tem mais: ela sustenta a casa enquanto você nem para pagar a própria bebida serve.

O bar explodiu em gargalhadas e o desafiante, sem resposta, sumiu como alma penada ao primeiro raio de sol. Heitor terminou sua cachaça com a tranquilidade de quem sabia que o amor verdadeiro não se mede em mexericos de botequim.

Apesar das dificuldades, o casal continuou a enfrentar os desafios juntos, com o amor e a generosidade que sempre os uniram. A decisão de Maria, embora dolorosa, foi um testemunho da força do amor verdadeiro e da capacidade de sacrifício em nome de um futuro melhor. Mesmo como Lola, Maria nunca deixou de ser a mulher que amava Heitor com toda a sua alma.

No ano seguinte, a sorte sorriu para o casal. Heitor conseguiu um emprego em outra cidade, e com as economias de Maria, partiram para um novo começo. Ao cruzarem a fronteira daquela cidade, Maria olhou pelo retrovisor, sorriu de leve e sussurrou:
– Deixo aqui esse fantasma para trás. Adeus, Lola!