lagartão minhocão brinquedo

Curtindo as férias adoidado

“Aquele ali trabalha!”, era como todos, absolutamente todos que conheciam Eduardo, o definiam. Muita ênfase na voz ao usar o termo “trabalha”, para deixar bem claro aos desconhecidos do sujeito, que labuta era sua meta principal de vida. Eduardo não descansava quase nunca.

Ninguém nem soube como conhecera sua esposa, com quem tivera dois filhos, já que o trabalhador não era visto se vestindo para passeios ou reuniões sociais. Só trabalhava, o ainda bem jovem Eduardo, nos seus 34 anos de vida.

Empregado há doze em uma empresa da área de logística, às cinco da manhã já estava no seu local de ofício pronto, inexoravelmente, para o que “desse e viesse”. A maioria dos colegas gostava muito dele. Apenas os menos “labutadores” o olhavam “de lado”. Sempre risonho, Eduardo chegava cantando, contando piadas inventadas na hora, e até dançando, quando alguns míseros segundos o separavam do próximo peso que pegaria para colocar no caminhão. Fazia tudo com tanto gosto, que os colegas se perguntavam se o rapaz era feito de ferro.

Não reclamava nunca. Nunca, nunca mesmo! Podia ser o peso que fosse; às vezes o almoço atrasava. E o trabalhador contumaz lá, cantarolando ou sorrindo, como se fazer refeições fosse coisa “para os fracos”! Como não tirava férias desde que entrara para a empresa, seus companheiros de jornada trabalhista mais chegados, por aqueles dias, sentiram pena e resolveram convencer o rapaz a curtir mais a vida, tirando um tempo de folga para viajar com esposa e filhos rumo a lugares que fossem de seu agrado. Sabiam que o trabalhador fazia o gênero ‘econômico’, tendo condições financeiras para, ao menos, visitar seus parentes distantes por uns quinze dias. 

Ao lhe relatarem a ideia, Eduardo tomou um susto:

– Férias? Como assim ‘férias’? – Pensou ele, como se alguém lhe tivesse contado que iria perder um braço.

Insistiram. Alegaram que, por mais energia que seu corpo possuísse, uma hora iria ter que dar uma parada. Todo mundo precisa de descanso! Convenceram-no. Pela primeira vez experimentaria essa coisa extraterrena que se chama curtir férias! Tirou trinta dias e já no primeiro sentiu-se perdido.

Não acatou a sugestão de visitar parentes porque, ao pensar em arrumar as malas, lhe deu uma preguiça. Animou-se de verdade quando lembrou que tinha uma laje para bater no próximo fim-de- semana, quando seu primo o havia chamado para esse “entretenimento”. Enquanto a laje não chegava, tratou de consertar o portão da garagem, que estava com defeito e há muito exigia o reparo. Ajeitou o armário da cozinha, construiu um tunelzinho com pneus velhos – ele os pintou de cada cor – que o casal de filhos havia pedido, para brincarem de “lagartão”. (Teve que comprar uma cara de lagarta em casas de festa e uma cauda. Até ele adorou correr por dentro do túnel estiloso!)

Depois que encarou a laje na casa do primo, ficou caçando o que fazer. Trabalho é o que não faltava! A casinha do cachorro ganhou uma portinhola do jeitinho saloon. (O cãozinho a abria e o fechamento ocorria automaticamente).

Quem estava adorando aquelas férias, era a esposa do Eduardo, a Bernadete! Maridão lavava e passava as roupas todas da família, varrias duas vezes por dia o quintal e ainda botava o lixo para fora. E os passeios? Uma vez por semana ele, a esposa e filhos foram à praia (vinte minutos de transporte público, bem cedo), ao teatro (dez minutos de carro), comeram em restaurante (foram a pé; cinco minutos de caminhada) e ao shopping (foram a pé, vinte minutos de caminhada; só foram para olhar).

Os passeios fora de casa ficaram em número de quatro. E Eduardo achou suficiente! A cabeça girando com o pensamento:
– Amanhã vou fazer alguma coisa…

Quando voltou ao trabalho no término dos trinta dias, a chuva de perguntas inevitáveis dos colegas:
– E aí, cara, curtiu as férias?
– 
Curti!
– Viajou?
-Viajei… Claro!

Eduardo não mentiu em nenhuma das respostas. Sua viagem havia ocorrido através dos filmes, livros, novelas e séries que maratonou quando estava de folga à noite. Conheceu obras turcas, inglesas, alemãs e coreanas. E continuou prestigiando as brasileiras. Adentrou na internet para pesquisar os diversos lugares aos quais era apresentado em forma de ficção. E, naturalmente, Eduardo curtiu, sim – e muito! – as suas férias.