Ela era muito pobre. Só possuía mesmo o silêncio da noite fundido à sua pele, um pão amanhecido e um nenê “tagarela” e risonho enroscado em seu abraço franco e negro. Deixou até de ir ao samba depois que o moleque nasceu. Era seu caçula, e depois de tanto tempo sua vida voltou a transitar entre fraldas sujas, mingau de fubá e cafuné.
Era toda desamparo. O pai da criança tivera mais amor à capoeira do que a qualquer outra coisa ou pessoa. Quando deu por si, já estava longe, e ela, de bolsos e coração vazios.
Assim que o pequeno começou a crescer, ela o entregou à vó, que morava em Juiz de fora e era diretora de uma escola primária da rede particular. Foi então trabalhar para algumas famílias mais abastadas para enviar, volta e meia, alguns poucos trocados que pudessem contribuir com as despesas de seu xodó.
Nisso trabalhou e se empenhou tanto, que se despediu desta vida antes dos cinquenta, esquecida de si e da saúde do próprio coração, sempre a cuidar e a embalar os sonhos alheios e a manter limpas a casa e a consciência de quem possuía tudo aquilo que ela nunca teve. Em fim, deixou de ser noite e abriu-se para a eternidade como um girassol se abre para a luz.
Ao nenê, como herança, além da oportunidade de desfrutar dos cuidados e da educação proporcionados pela avó, que ela não pudera oferecer, deixou tudo o que havia de mais necessário e essencial àquela pequena vida despontada: Seu canto afinado, o léxico presente e uma saudade avassaladora do futuro. E dela, só ele ficou.
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